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René Daumal – O Monte Análogo (2)

segunda-feira 30 de junho de 2025

A noite se adensava ainda ao nosso redor, no sopé dos pinheiros cujas copas traçavam sua alta escrita no céu já de pérola; depois, baixas entre os troncos, rubores se acenderam, e vários de nós viram se abrir no céu o azul lavado dos olhos de suas avós. Pouco a pouco, a gama dos verdes saía do preto, e às vezes uma faia refrescava com seu perfume o odor da resina, e realçava o dos cogumelos. Com vozes de matraca, ou de fonte, ou de prata, ou de flauta, os pássaros trocavam seus pequenos dizeres da manhã. Íamos em silêncio. A caravana era longa com nossos dez jumentos, os três homens que os guiavam, e nossos quinze carregadores. Cada um de nós levava sua parte de provisões para o dia e seus pertences pessoais. Alguns tinham, destes pertences pessoais, bastante pesados para carregar em seus corações também e em suas cabeças. Tínhamos rapidamente reencontrado o passo montanhês e a atitude exausta que convém tomar desde os primeiros passos se se quer ir longe sem fadiga. Enquanto caminhava, eu repassava em minha memória os acontecimentos que me haviam levado lá — desde meu artigo na Revue des Fossiles e meu primeiro encontro com Sogol. Os jumentos eram felizmente treinados para não andar muito rápido; eles me lembravam os de Bigorre, e eu tomava forças ao olhar fluir o jogo flexível de seus músculos que jamais era quebrado por uma contração inútil. Pensei nos quatro covardes que tinham se desculpado por não nos acompanhar. Como estavam longe, Julie Bonasse, e Emile Gorge, e Cicoria, e este bravo Alphonse Camard, com suas canções de estrada! Era já outro mundo. Me pus a rir sozinho a respeito destas canções de estrada. Como se os montanheses jamais cantassem enquanto caminhavam! Sim, se canta às vezes, depois de algumas horas de subida nas pedreiras ou sobre gramados, mas cada um para si, rangendo os dentes. Eu, por exemplo, canto: « Tyak! tyak! tyak! tyak! » — um « tyak » por passo; na neve, em pleno meio-dia, isso se torna: « Tyak! tchi tchi tyak! » Um outro canta: « Stoum! di di stoum! », ou: « dji... pof! dji... pof! » É o único tipo de canções de estrada de montanheses que conheço. Não se via mais cumes nevados, mas somente encostas arborizadas, cortadas de falésias calcárias, e a torrente no fundo do vale, à direita, pelas clareiras da floresta. Na última curva da trilha, o horizonte marinho, que não havia parado de se elevar conosco, tinha desaparecido. Eu mordiscava um pedaço de biscoito. O jumento, com sua cauda, espantou no meu rosto uma nuvem de moscas. Meus companheiros também estavam pensativos. Havia de todo modo algo de misterioso na facilidade com a qual havíamos abordado o continente do Monte Análogo; e depois parecia que tínhamos sido esperados. Suponho que tudo isso se explicará mais tarde. Bernard, o chefe dos carregadores, estava também pensativo como nós, mas menos frequentemente distraído, no entanto. É verdade que, para nós, era difícil não ser distraído a cada minuto pelo esquilo azul, o arminho de olhos vermelhos erguido como uma coluna no meio de uma clareira de esmeralda salpicada de lactários-de-sangue, o rebanho de unicórnios, que havíamos tomado no início por camurças, que pulava em um contraforte desnudo da outra vertente, ou o lagarto voador que se atirava na nossa frente, de uma árvore a outra, batendo os dentes. Exceto Bernard, todos os homens que tínhamos contratado levavam em sua mochila um pequeno arco de chifre e um feixe de flechas curtas, sem empenamento. Na primeira grande parada, um pouco antes do meio-dia, três ou quatro deles se afastaram e voltaram com algumas perdizes e uma espécie de grande porco-da-índia. Um deles me disse: « É preciso aproveitar, enquanto a caça é permitida. Comeremos à noite. Mais acima, acabou a caça! »

A trilha saía da floresta e descia por pedreiras violentamente ensolaradas até a torrente que galopava com ruídos de multidão, e que passamos a vau. Fizemos levantar nuvens de borboletas nacaradas da margem úmida, depois uma longa caminhada começou, por pedregais sem sombra. Voltamos para a margem direita, onde começava uma floresta de lariços bastante clara. Eu suava, e eu cantava minha canção de estrada. Tínhamos um ar cada vez mais pensativo, mas de fato éramos cada vez menos. Nosso caminho se elevou acima de uma alta barreira rochosa e virou para a direita, onde o vale se estreitava em garganta profunda; depois subiu impiedosamente em ziguezagues em uma garrigue íngreme de zimbros e de rododendros. Saímos enfim em uma pastagem alpina molhada de mil riachos, onde pastavam pequenas vacas roliças. Em vinte minutos de caminhada na grama submersa, alcançamos um patamar rochoso, sombreado por pequenos lariços, onde se erguiam algumas construções de pedras secas grosseiramente cobertas de galhos; era nossa primeira etapa. Tínhamos ainda duas ou três horas de dia na nossa frente para nos instalar. Um dos abrigos devia servir de depósito de bagagens, um outro de dormitório — havia tábuas e palha limpa, e um fogão feito de pedras grandes -; um terceiro, para nossa grande surpresa, era uma leitaria: potes de leite, pedaços de manteiga, queijos que escorriam pareciam nos esperar. O lugar era então habitado? Bernard, cujo primeiro cuidado tinha sido de ordenar a nossos homens que depositassem seus arcos e suas flechas no canto do dormitório que ele tinha reservado, suas fundas também, pois alguns estavam munidos delas, Bernard veio nos explicar:

« Era ainda habitado esta manhã. Deve sempre haver alguém aqui para cuidar das vacas. Aliás, é uma lei que lhes será explicada lá em cima; nenhum acampamento deve jamais permanecer desocupado por mais de um dia. A caravana precedente tinha sem dúvida deixado uma ou duas pessoas aqui, e ela esperava nossa chegada para progredir. Eles nos viram vir de longe e partiram imediatamente. Vamos lhes confirmar nossa chegada e, ao mesmo tempo, lhes mostrarei o início da trilha da Base. »

Nós o seguimos durante alguns minutos em uma larga cornija rochosa, até uma plataforma de onde avistamos a origem do vale. Era uma espécie de circo irregular, no qual desembocava a garganta, rodeado de altas muralhas do cume das quais pendiam aqui e ali algumas línguas de geleiras. Bernard acendeu um fogo, sobre o qual ele jogou grama molhada, depois ele olhou atentamente na direção do circo. Ao fim de alguns minutos, vimos, muito longe, se elevar, respondendo ao sinal, uma fina fumaça branca, quase confundida com a lenta espuma das cascatas.

O homem se torna rapidamente atento, na montanha, a todo sinal de uma presença de um de seus semelhantes. Mas esta distante fumaça era para nós particularmente emocionante, esta saudação que nos endereçavam desconhecidos caminhando à nossa frente no mesmo caminho; pois o caminho ligava de agora em diante nosso destino e o deles, mesmo que jamais devêssemos nos encontrar.


Ver online : DAUMAL, René. Le Mont Analogue. Paris: Gallimard, 1981


DAUMAL, René. Le Mont Analogue. Paris: Gallimard, 1981