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Tu t’es toujours trompé

René Daumal – O Absoluto

L’intuition métaphysique dans l’histoire

segunda-feira 30 de junho de 2025

Para raciocinar, julgar e querer, o homem precisa crer num absoluto que seja ao mesmo tempo o ser real e a verdade por excelência, e o valor supremo. Imediatamente me apresentarão o primeiro transeunte encontrado na rua e, ao interrogá-lo, mostrar-me-ão que ele nem sequer suspeita o que poderia ser tal noção; pois, como para a grande maioria dos homens, a preocupação de analisar as operações de seu espírito lhe é estranha. Mas aquele que pensa me contradizer ao me lembrar dessa observação comum prova que ele mesmo é enganado pela linguagem; as palavras absoluto, ser, verdade, valor, que ele sabe usar, que lhe são familiares, dispõem seu organismo num sentimento de segurança; a ausência de preocupação quando pronuncia tais palavras o faz dizer que compreende o sentido; é verdade que o uso delas o tranquiliza a ponto de o dispensar de refletir. Mas procuremos melhor, sob as palavras ou os silêncios do homem inculto, seus julgamentos, seus gostos, suas tendências, por mais rudimentares que sejam as expressões. Sempre encontraremos esboços de sistemas, ensaios de coordenação, tentativas de fundar todos os atos do espírito em um princípio pensado e formulado mais ou menos claramente como um absoluto único; na maioria das vezes, esse fundamento comum nem sequer é nomeado, ou é designado ora por uma palavra, ora por outra. Mas sempre, se partirmos dos julgamentos, das preferências que se manifestam em sua conduta, tal como a observamos, se estudarmos suas variações, representando-as por linhas dirigidas, veremos essas linhas convergirem, mais ou menos exatamente, para um ponto comum. Este ponto representa o ser e o valor absoluto que é ao mesmo tempo o fim, o princípio e o motor imanente de todos os atos psíquicos desse homem. Em geral, esse ponto não é único, e o indivíduo obedece, em suas aspirações, suas escolhas, suas decisões, a alguns preceitos, algumas regras mais ou menos explícitas, coordenadas de qualquer maneira, que são alternadamente consideradas valores e realidades supremas.

O que chamo de absoluto é aquilo de que, duvidando de tudo, não posso duvidar; e aquilo a que, sacrificando tudo, me sinto obrigado a tudo sacrificar. É ele que, às perguntas: «o que é?» e «o que importa?» sempre me faz responder: «não é nada do que posso nomear». O único princípio que pode ser claramente pensado como único e absoluto é o princípio negador supremo, a perpétua recusa da consciência de ser algo particular, a abnegação posta uma vez por todas e absolutamente; já que, mais uma vez, nada é e nada vale a não ser para o ato de consciência, que é em essência negação. Mais exatamente, o que chamo de absoluto, e que só merece esse nome, é o limite para o qual tende o incessante esforço da consciência que se desperta. (Nota: A passagem para o limite, passo essencial da reflexão metafísica, sumariamente indicada aqui, será estudada mais tarde de forma precisa e sistemática; nós a justificaremos tanto como geradora de todas as noções metafísicas, quanto como fundamento de todo conhecimento.)

Mas, para apreender essa noção em sua verdade viva, e não como um simples conceito abstrato, é preciso realizar em si a variação da qual ela é o limite. Para isso, é preciso pensar. E a lei de inércia psíquica, que já constatamos, deve estabelecer, contra essa exigência de consciência, uma tendência correlativa à inconsciência. O homem pode ter conhecido, seja realmente por experiência íntima, seja pelo reflexo do ouvir dizer, a necessidade e o preço da noção de valor absoluto. Mas ele esquece que essa necessidade e esse preço são para a consciência em ato. E quanto mais ele se apega a conservar em seu espírito a noção do absoluto, mais a força de inércia de sua preguiça põe em prática meios próprios para persuadi-lo de que possui, de que pensa a noção do absoluto, sem que ele precise para isso efetuar o menor ato de consciência. O mais poderoso e constante desses procedimentos é o uso de um nome, que, repetido quantas vezes for necessário, substitui por uma aparência sonora a noção que ele significava a princípio. O nome, por um lado, e um certo sentimento de segurança, de convicção orgânica, por outro, haviam sido ligados ao mesmo ato real de direção para o momento ou a realidade suprema que chamamos de absoluto. A noção perece se a consciência não a recria atualmente; mas o gesto vocal do nome, e o estado de satisfação orgânica pensada como certeza sentimental, permanecem ligados um ao outro; uma relação fisiológica estável se constituiu entre eles, dando a ilusão do pensamento. E, é claro, qualquer palavra é apta a desempenhar esse papel; as que usei, assim como todas as outras.

Quando quiseres falar do Absoluto, do Ser, do Bem, de Deus, do Real, do Verdadeiro, faça esta experiência: suprima todas essas palavras nas frases que pronunciar, supondo, mas com toda a força de sua imaginação, que não pode mais usá-las, que elas não existem mais, e que é impossível a partir de agora encontrar outras capazes de substituí-las. É provável que muitas vezes estremeça diante dos abismos de inconsciência abertos em seu discurso, com as tampas verbais removidas. E o esforço que fará para preencher esses vazios, pensando e recriando as noções adormecidas, é aquele que cada um deve exigir incessantemente de si mesmo, se quiser um dia saber e ser alguma realidade.

Ainda supus, na origem desses fantasmas de pensamentos, um pensamento verdadeiro. Na maioria das vezes, a realidade e o valor de um absoluto só são afirmados com base no ouvir dizer; portanto, desde o início, há apenas uma sombra de conhecimento. A educação recebida na família, na escola, no catecismo, as leituras - tanto de jornais quanto de filósofos ou livros piedosos -, as conversas, os sermões, os discursos públicos, o teatro, o cinema, todos esses meios são utilizados; a dupla força de inércia do sono individual e da conservação social, por meio deles, estabelece nos organismos humanos ligações duradouras entre certas palavras e certas disposições fisiológicas; para completar e firmar a ilusão, as palavras pensamento, consciência, reflexão, enquanto fenômenos vocais, encontram-se ligadas aos sentimentos confusos, tomados em sua generalidade, que correspondem a essas condições orgânicas. Essas correlações são estabelecidas nos corpos por diversos meios de educação coletiva, por instituições sociais; são, portanto, quase as mesmas em todos os indivíduos, com algumas diferenças de ordem familiar, confessional, profissional, por exemplo; seu conjunto constitui o que se poderia chamar de ideologia coletiva da sociedade, desde que se tome cuidado em não designar por essa palavra um pensamento; pois, ao contrário, esse sistema, construído com os cadáveres do pensamento, é o das condições sob as quais o homem pode viver sem pensar. Um verdadeiro pensamento coletivo seria a negação violenta desse mecanismo de morte, necessariamente acompanhada da destruição das instituições que expressam a ideologia coletiva; esse despertar só pode ser fruto de uma revolução.


Ver online : DAUMAL, René. Tu t’es toujours trompé. Paris: Mercure de France, 1970


DAUMAL, René. Tu t’es toujours trompé. Paris: Mercure de France, 1970