René Daumal – Não-dualismo de Espinosa (2)

Escândalo para os homens da Igreja e da Academia é o teorema: "Deus é coisa extensa" (Eth. II, prop. 2). Escândalo sobretudo pela audácia prometeica de um homem que quer demonstrar, que quer fazer compreender coisas que um bom cristão deve crer cegamente porque foram "reveladas"; que quer levar a lógica ao campo reservado da fé! E seus inimigos julgavam insultá-lo com os nomes de "panteísta" e "ateu" que, por mais mergulhados na névoa da confusão verbal, permanecerão entre seus títulos de glória.

O Deus benevolente construído pelos teólogos desmorona. Deus é a Substância, é o Ser. Pensamento e Extensão, Alma e Corpo, são dois aspectos da mesma substância. Sustentam-se pela mesma necessidade. Deus é necessidade: "Deus não opera segundo a liberdade da vontade" (Eth. I, prop. 32, corol. 1). Não se deve mais contar com graças, com favores especiais. Não se pode mais pagar resgate ao chefe do Purgatório, nem subornar o guardião do Inferno; não há mais um Paraíso onde se possa reservar lugar com antecedência. Os mercadores de indulgências viram prejudicado seu comércio. Espinosa Espinosa dissipa as absurdas e fáceis esperanças de socorros sobrenaturais, de auxílios transcendentes. Pede ao homem que abra os próprios olhos, que caminhe com as próprias pernas. É compreensível que tenha despertado o ódio do grande torpor humano.

Sob o véu abstrato da metafísica, Espinosa Espinosa faz explodir a casca do intelecto separado. Mais tarde, Hegel fará da contradição o motor de todo movimento e de todo pensamento. Infelizmente, Hegel não soube, como Espinosa Espinosa , dedicar-se completamente, alma e corpo, à tarefa única de viver sua "dialética"; sua inteligência titânica não comprometeu demasiado os gostos de conformismo burguês do personagem que habitava.

Espinosa Espinosa coloca no início o par motor de sua obra em termos menos abstratos, menos gerais que os de Hegel. Hegel propõe: Ser e Não-Ser; Espinosa Espinosa , dois aspectos do Ser: Pensamento e Extensão. Mas toda antinomia abstrata pode e deve ser resolvida com um salto brusco para fora da abstração, com uma tomada em conta do ser concreto e total, com um ato vital que só a reflexão distingue em físico e intelectual. Partindo do dualismo cartesiano, intolerável para a vontade de ser Uno, Espinosa Espinosa nos conduz pouco a pouco à resolução, em ato na vida, dessa antinomia. Compreendido isso, torna-se claro o sentido do título de seu livro capital. Conhecemos demasiado bem o rigor desse espírito para suspeitar que o título de Ethica não diga o que quer dizer. Espinosa Espinosa teria escrito Metafísica ou Lógica se tivesse pedido aos homens apenas que dessem forma a silogismos. Mas, no fim das contas, ele quer pedir a cada homem que dê forma a si mesmo, que se transforme para se criar; e lhe propõe os rudimentos de um método. Direi adiante dos outros grandes, porém anônimos, pensadores que o pensamento spinoziano me recorda irresistivelmente. Aqui quero apenas sublinhar um aspecto fundamental: o quebra-cabeça, o escândalo lógico, que obriga o leitor a esforçar-se por compreender e recriar, para não resignar-se a não compreender absolutamente nada.