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Chaque fois que l’aube paraît
René Daumal – Imagens de Sócrates e de todo mundo
Les limites du langage philosophique et les savoirs traditionnels (1935)
segunda-feira 30 de junho de 2025
Alguns pensadores quiseram fazer mais, e introduzir nas palavras que legaram à humanidade incitações mais diretas a pensar realmente, isto é, a fazer, em toda a força desse termo ridiculamente gasto, ato de presença. Eles quiseram evitar que se tomassem suas palavras pela verdade mesma; e, além disso, quiseram impedir que se tomassem suas falas como uma obra de arte e nada mais. Há algo terrivelmente dramático — para quem já tentou falar seu pensamento — no esforço de um Platão, que empregou quase todos os meios possíveis para destruir em seu leitor a ilusão de que suas palavras contêm, por si mesmas, o verdadeiro, o belo e o bem; enquanto se vê, no entanto, manuais de filosofia apresentarem em algumas páginas um quadro da "filosofia platônica": como se, por alguns francos e uma hora de leitura, cada um pudesse possuir esse tesouro que Sócrates levou uma vida de duro labor para alcançar e comunicar.
Para transmitir a eficácia do pensamento socrático, Platão buscou nos transmitir a imagem de um homem. E não é culpa dele, mas nossa, se em seus Diálogos só lemos jogos dialéticos, ou construções intelectuais. Se lermos simplesmente e conscienciosamente, um homem surge diante de nós, real, com seu aspecto físico, seu humor, seus modos de ser, um homem que, uma vez conhecido, não nos deixará mais; Sócrates se torna então um de nossos demônios familiares. Se eu me perco em abstrações fáceis, ele está lá para me provar, com um bom humor impiedoso, que o intelecto sozinho não pode afirmar nada do real, que só põe em ordem possíveis, muitas vezes contraditórios; é da natureza da "cabeça" ser sofista, fabricar círculos viciosos; o que ela pode fazer, na ordem do pensamento real, é primeiro colocar questões que ela mesma não pode resolver; depois incitar o resto, ou melhor, o todo do ser a buscar a solução, e finalmente guiar o homem nessa busca. Os sábios que dirigem a Cidade são talvez o elemento essencial; mas sozinhos não farão uma cidade. Os meios, próprios de Sócrates, de trazer sempre a atenção ao ser real, essa síntese de um Sábio, de um Leão e de uma Serpente, são:
1º A contradição intelectual, ou seja, a arte sofística, condenável assim que se toma por fim, mas da qual Sócrates se serve para provocar o homem a sair da contradição por um ato vital. É por isso que, no fim do diálogo, ele geralmente deixa a questão pendente: "e agora, diz ele, vamos aos nossos afazeres". O que quer dizer: "agora que filosofamos, vamos compreender vivendo a vida de todos os dias".
2º O uso de símbolos completos, ou seja, ligados a todos os aspectos da vida e do pensamento humano. É, por exemplo, o Estado, onde, do sapateiro ao rei, o homem — ou seja, você ou eu, Glauco ou Cálicles — é descrito da cabeça aos pés. E a passagem contínua e insistente da ordem social à ordem individual impede que tomemos os discursos de Sócrates por uma pura exposição de ideias políticas. O símbolo social tem a vantagem de apresentar uma imagem que cada homem, em todo tempo, terá sob os olhos; a de ser coerente consigo mesmo e com o homem; e enfim de ser extraído de uma realidade humana que possui suas próprias leis, que não podemos modelar a nosso bel-prazer, e que, consequentemente, nos impedirá de divagar. Também todos os grandes ensinamentos humanos apelam a esse símbolo: o Reino de Deus, a Cidade Divina dos Cristãos — as três castas primitivas para os Hindus, que são os três "aspectos" do homem [1] — e esse símbolo, como todo símbolo fundado na vida, é reversível, ajudando a compreender ao mesmo tempo o simbolizante e o simbolizado; é só na época moderna, época de dissociação por perda do centro único do ser pensante, que os símbolos começam a viver por si mesmos e que se vê formar separadamente, de um lado uma psicologia, do outro lado uma sociologia. Sócrates não é nem psicólogo nem sociólogo: ele olha essas duas ordens de existência à luz única de sua analogia essencial. Os outros símbolos que ele põe em jogo são tirados do mundo, dos movimentos dos astros ou dos animais, ou então são mitos populares, esses reservatórios de imagens cristalizadas pelos séculos e que são como as formas fundamentais do pensamento humano real, pensamento incorporado e carregado de emoções. Mitologia que é a História das histórias humanas; pois cada deus do paganismo, se quisermos despojá-lo das ideias modernas de "divino" e "sobrenatural" com que o vestimos, representa, no palco desse vasto teatro que é um panteão, um tipo humano específico, levado ao mais alto grau de perfeição em seu aspecto particular; ele é, portanto, mais que existente; é uma forma universal concreta da existência humana. Quando classificamos ou buscamos definir, praticamente, os tipos humanos que nos cercam, imagens como as de Dom Quixote, de Harpagon ou do pai Ubu nos são de maior auxílio que todos os conceitos abstratos: são realmente categorias gerais concretas. Os personagens das velhas mitologias só diferem desses tipos literários por uma maior generalidade; alguns são mesmo tipos universais testados por um uso secular e que, sob formas escondidas, ainda nos servem diariamente para pensar nossos semelhantes.
Esse caráter das criações mitológicas as torna já independentes de uma expressão puramente verbal. E no entanto as palavras, quando um poeta as emprega, podem suscitar essas imagens; por esse meio, o poeta poderá, com palavras, provocar no leitor uma forma de pensamento dotada de todos os atributos da existência humana; e assim incitá-lo não só a formar conceitos, mas ao mesmo tempo a sentir e a dançar em si mesmo a atitude ou o comportamento geral de um estado humano definido.
Sócrates, de um lado, condenava as criações mitológicas eruditas, as alegorias mortas e absurdas forjadas a partir de um conceito e de uma expressão verbal; imagens feitas de pedaços justapostos e tendo apenas um vínculo conceitual e verbal. Mas, de outro lado, declarava aceitar todas as criações da mitologia popular, criações vivas, não mais submetidas a uma lógica verbal, mas a uma lógica vital. Muitas vezes se acreditou ver uma contradição, ou ironia, ou oportunismo de debatedor, nessas condenações e aceitações alternativas dos deuses por Sócrates. De fato, ele condena a alegoria que é o vestuário imagético de uma abstração, para aceitar o "deus" criado e nutrido pelo pensamento dos povos, imagem animada de uma necessidade interna e comum a todos os homens — o que o torna "imortal". É só por uma reflexão secundária que nutrir o deus foi compreendido como "prestar-lhe um culto", e que sua "imortalidade" real (e tão relativa quanto a perenidade da espécie humana) se tornou uma "imortalidade" abstrata. Então a mitologia se torna teologia; e esses mitos cotisubstanciais ao homem se envolvem de mistérios, de ritos e de especulações metafísicas, que acabam por nos roubá-los.


Ver online : DAUMAL, René. Essais et notes II. Les pouvoirs de la parole (1935-1943). Paris: Gallimard, 1993
DAUMAL, René. Essais et notes II. Les pouvoirs de la parole (1935-1943). Paris: Gallimard, 1993
[1] Castas são, em sânscrito, varna, ou seja, "cor, aspecto, maneira de ver ou descrever"; as três castas primitivas são (não originadas de, como geralmente glosam os tradutores europeus, mas são realmente) a Cabeça, os Braços (ou seja, o Peito) e as Coxas (ou seja, o Ventre) do homem (que os mesmos tradutores escrevem, muitas vezes sem razão, com maiúscula, ou, mais frequentemente ainda, não traduzem e deixam sob sua forma sânscrita purusha).