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Approches de l’Inde

René Daumal – Aproximação da arte poética hindu (2)

Dir. Jacques Masui

segunda-feira 30 de junho de 2025

Espero ter mostrado por estas notas que a poesia, para os Hindus, se não é senão um meio a serviço do conhecimento, é também uma das mais altas atividades que o homem possa exercer. «O estado de homem é difícil de alcançar neste mundo, e o conhecimento então é muito difícil de alcançar. O estado de poeta é difícil então de alcançar, e a potência criadora é então muito difícil de alcançar [1].» A operação poética — da qual a gustação poética é o reflexo — é um verdadeiro trabalho do poeta, não apenas para conhecer as leis de sua matéria e as regras de seu ofício, mas também, trabalho interior, para disciplinar-se e ordenar-se a si mesmo a fim de tornar-se um melhor instrumento das funções «sobrenaturais» — em suma, uma espécie de yoga. Pelo jogo dos sons, dos sentidos, das ressonâncias, das andaduras, todo seu mundo interior é posto em movimento. E, como é um reflexo do âtman universal, seu ato poético participa do movimento cósmico. «Todos os poemas recitados, e todos os cantos sem exceção, são porções de Vishnu, do Grande-Ser, revestido de uma forma sonora [2]

Gostaria de dar exemplos. Mas suas traduções não dariam grande coisa. Cada um poderá procurá-los, por sua conta, entre os poetas que saboreia, pois as leis da poética hindu, em seus princípios, são válidas para todas as línguas. Mas atenção. Em nossos poetas, a potência de sugestão do rasa se exerce um pouco ao acaso, segundo mecanismos que conhecem mal e que se classificam sob a noção muito vaga de «inspiração». O aprendizado se faz sem método, e os sucessos são acidentais. O poeta hindu é o produto de uma educação metódica, levada a cabo junto a um mestre, e com um objetivo superior à própria arte. O poeta ocidental se forma como pode, sem saber muito bem como, e, quase sempre, seu talento se especializa na expressão dos sentimentos mais conformes à sua natureza individual. Racine é um poeta maravilhoso do Erótico — mas quase unicamente do Erótico — em várias de suas nuances. O poeta hindu deve poder, como bom artesão, tocar toda a gama de cada sentimento. A diferença é ainda mais marcante para o ator-dançarino, mas é bem visível em todas as artes [3].

Gostaria também de mostrar como todas as artes hindues estão ligadas; o Teatro as contém todas; a analogia corporal do poema só é realmente compreensível pela dança; a pintura, diz-se, não se compreende sem a dança, que não se compreende sem a música [4]; na estatuária e na dança, reencontra-se a mesma ciência das atitudes — cujos princípios pertencem ao yoga —, e a mesma linguagem por sinais manuais... Gostaria de tentar dizer como, segundo o que li e ouvi, os mesmos princípios da poesia regem a dança, a mímica, a música e as artes plásticas. Mas nada é tão contrário ao gênio hindu quanto tratar de assuntos que não se conhece praticamente. Ganeça não me perdoaria.


Ver online : Approches de l’Inde - Tradition et incidences, dir. Jacques Masui, Cahiers du Sud, 1949


Approches de l’Inde - Tradition et incidences, dir. Jacques Masui, Cahiers du Sud, 1949


[1Agni-purâna, Leitura 336, st. 3 e 4.

[2Vishnu-purâna, citado em Sâhitya-darpana, I. Um autor sobre o samgîta (o conjunto: canto-música-dança) diz do mesmo modo: «Servindo o Som (musical), servem-se os deuses Brahmâ, Vishnu, Çiva, pois eles mesmos são feitos dele.»

[32. A música dançada (nritya, superior ao nritta ou dança imitativa, e base do nâtya ou arte dramática) é, como a poesia, uma arte pondo em jogo, simultaneamente, matérias distintas: ritmos ligados à música; sentimentos (bhâva) expressos pelas atitudes e os modos do movimento e que são os suportes dos rasa; e significações intelectuais dos gestos (kara, verdadeiras palavras manuais, mais conhecidas sob o nome de mudrâ na estatuária budista).

As condições necessárias para formar um poeta, segundo o Kâvyaprakâça são: 1° uma aptidão natural (çakti), uma certa «conformação» (samskâra) interna, sem a qual só pode haver uma caricatura de poesia; 2° um saber técnico (nipunatâ) que se adquire pelo estudo do mundo, das ciências da linguagem, dos quatro «móveis» da vida humana, das ciências da natureza, dos poemas célebres, etc.. (Vamana, mais antigamente, citava além disso a ciência erótica e a arte política, à qual dá um papel importante); 3° exercícios levados a cabo de maneira assídua sob a direção de um mestre.

[4Vishnudharmottara-purâna, citado por P. Masson-Oursel, A estética indiana (art. citado), segundo J. Przyluski, Dançarino e músico, em Revue des Arts asiatiques, 1931, 2, p. 79.