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Approches de l’Inde

René Daumal – A analogia poema-homem

Dir. Jacques Masui

segunda-feira 30 de junho de 2025

O Sabor é a essência, o «si» (âtman) do poema. Assim como no homem, no poema o âtman se manifesta por certas «virtudes» (guna), que se chamam também «funções, atividades específicas» (dharma) do Sabor. Elas se classificam em três categorias: suavidade, que «liquefaz o espírito», o amolece; ardor, que o «incendeia», o exalta; evidência, que o ilumina «com a rapidez do fogo na lenha seca». Dessas três categorias derivam os diferentes tipos de emoções poéticas [1].

Assim como o estado interior do homem se expressa por atitudes, a poesia tem suas «andaduras» (rîti), estreitamente ligadas às «virtudes». A cada uma corresponde o emprego de certas sonoridades e de certas construções sintáticas. Há uma «andadura» fácil, doce, em que o sentido da frase se desenvolve gradualmente da primeira palavra à última. A «andadura» oposta, exaltante, mantém o ouvinte em suspenso até os últimos termos da frase, que o iluminam de modo explosivo [2]. E há as «andaduras» intermediárias. Cada uma corresponde a uma atitude profunda do poeta, que ele quer transmitir ao ouvinte [3]. Antes de compor um poema, o poeta deve, portanto, compor-se a si mesmo, dispor-se interiormente para ser o melhor receptáculo possível do Sabor. Para isso, deve pôr de lado o que chamamos sua «personalidade», domar os impulsos de sua vaidade e os caprichos de sua imaginação.

O poema tem um «corpo», que é feito «dos sons e dos sentidos», e que está submetido às leis dos «três poderes» da linguagem. A matéria que o poeta trabalha não é apenas uma matéria sonora; é sobretudo uma matéria psicológica. Empregar uma palavra não é apenas produzir sons vocais, é abalar todo um mundo de associações, de sentidos figurados e derivados, de sugestões, cujas leis é preciso conhecer. E para aquele que conhece essas leis, «uma só palavra, bem empregada e perfeitamente compreendida, é, diz-se, no Céu e neste mundo, a Vaca a preencher todos os desejos.»

Esse corpo, como o corpo humano, tem seus «defeitos» (dosha): falhas, «do som» ou «do sentido», que é preciso eliminar o quanto possível. E tem seus enfeites, as figuras de retórica ou «ornamentos» (alamkâra). O estudo dos «ornamentos» é, materialmente, o que ocupa mais espaço nos tratados de poética [4]. Não há quase poesia sem ornamento. Mas se estes prevalecem sobre o sabor, se são empregados por si mesmos, a poesia que resulta é considerada de mau gosto e de uma espécie inferior. O ornamento só é legítimo como um condimento destinado a «reforçar o Sabor», e então seu verdadeiro sentido é a sugestão mesma desse sabor — a intenção profunda do poeta que o emprega. A essa condição, o Hindu nunca se cansará de um alamkâra, de um clichê repetido há séculos por todos os poetas, pois mostrou-se bom no uso [5]. A imagem do deus com arco florido que trespassa os corações dos jovens, empregada por um verdadeiro poeta, é tão comovente hoje como ontem ou há mil anos.

A prosódia também concerne ao «corpo» do poema. Mas os Hindus nunca confundem métrica e poesia. A maioria de seus trabalhos didáticos está em versos e, se a poesia é muitas vezes métrica, não o é necessariamente. A métrica só toma valor estético preciso no canto. O que corresponde, em poesia, à noção de «ritmo», não é a forma métrica que só interessa aos sons, mas antes as «andaduras», que regulam a marcha tão complexa dos sons e dos sentidos, imagens e emoções; é, mais geralmente, a maneira como o poeta faz andar juntos esses movimentos simultâneos [6].


Ver online : Approches de l’Inde - Tradition et incidences, dir. Jacques Masui, Cahiers du Sud, 1949


Approches de l’Inde - Tradition et incidences, dir. Jacques Masui, Cahiers du Sud, 1949


[1Em outros autores (como Dandin), as guna pouco se distinguem dos «ornamentos». Seguo sempre Viçvanatha (S. D., VIII) que segue aqui Mammata. Do mesmo modo para as rîti (S. D., IX).

[2Isso é possibilitado pela sintaxe sânscrita que pode ser mais «analítica» ou mais «sintética» conforme emprega pouco ou muito as longas palavras compostas. Mas cada língua pode obter os mesmos efeitos com seus recursos próprios.

[3Digo sempre «ouvinte» e não «leitor», porque a leitura silenciosa nunca é senão um substituto da audição direta; e mesmo quando se lê, escuta-se interiormente.

[4Há 79 principais no Sâhitya-darpana. Uns «do som» (aliterações, etc.), outros «do sentido»; estes últimos se reduzem, na maioria, à comparação explícita (upama) ou implícita (rûpaka, metáfora). A importância dos diferentes modos da comparação marca bem o caráter da operação artística: um mesmo ato interior funda uma identidade analógica entre fenômenos de naturezas diferentes. A «comparação» existe também nas artes plásticas; o traçado do olho de uma mulher é o mesmo que o do corpo de um ciprinídeo, um torso de homem se desenha como uma cabeça de touro vista de frente, etc..

Notemos aqui que um dos grandes recursos de nossa arte, a imitação da natureza, é para os Hindus apenas um alamkâra pouco importante, e do qual não se deveria abusar (é o 68° no S. D.).

[5Do mesmo modo para os ornamentos musicais, arquitetônicos, etc..

[6Há, porém, certas correspondências entre os metros e os rasa. As sílabas longas em séries convêm ao Patético, ao Repugnante; as breves em sucessões rápidas ao Heróico, ao Furioso, etc.. (Nâtya-Çâstra, XVII, 99 sq.). A prosódia sânscrita difere pouco da prosódia greco-latina. Os metros são de número de sílabas fixo ou variável, de quantidade inteiramente ou parcialmente fixada. Existe também uma prosa cadente, chamada «prosa com perfume de metro».