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Approches de l’Inde
René Daumal – Origem da arte
Dir. Jacques Masui
segunda-feira 30 de junho de 2025
A arte não é uma atividade natural [1] do homem. Nas idades em que o conhecimento do Real era o objetivo mais importante da vida humana, todas as atividades naturais eram ao mesmo tempo analogias, sinais e provas da busca interior. Quando veio a época de obscurecimento do Kali-yuga (no meio do qual estamos), os homens começaram a praticar essas atividades apenas por seus frutos exteriores. O par «agradável-desagradável», conduzindo o cortejo das paixões, tornou-se o principal móvel da conduta. As castas inferiores, ao mesmo tempo, proliferavam. Os deuses, conta-se [2], exaustos dessa desordem, vieram pedir a Brahmâ que «produzisse um novo Veda, um quinto, destinado a todas as castas...» «E, da substância dos Quatro Vedas, Aquele que vê as coisas como elas são formou a Arte dramática.» O Teatro devia ser uma «analogia do movimento do mundo [3]», uma representação condensada do «Triplo mundo» e das leis universais, e, em particular, dos «quatro tipos de móveis» da conduta humana: artha, «as coisas, os bens materiais», móveis do corpo físico; kâma, «o desejo, a paixão», móveis do sentimento; dharma, «o dever», móveis morais e intelectuais; e moksha, «libertação», desejo de libertação dos móveis anteriores, portanto de natureza «supra-mundana». Todos os tipos humanos, todas as castas, todos os ofícios deviam se reencontrar nele. Cada um devia, portanto, nele experimentar a profunda satisfação de se ver representado, compreendido, situado em seu lugar no movimento universal. Cada um, tolo ou sábio, covarde ou herói, miserável ou grande senhor, veria nele sua própria razão de ser na harmonia dos mundos e, por essa porta da emoção individual, entraria em contato com o ensino sagrado [4].
Assim a Arte foi lançada no mundo por seres superiores com o objetivo de vestir a verdade e atrair a ela, por artifício, nossos espíritos tornados incapazes de amá-la nua. A mesma ideia é retomada pelo autor do Espelho da Composição [5], que citaremos frequentemente a seguir: «O conhecimento dos quatro tipos de móveis, tal como é apresentado nos tratados védicos, já é difícil para aqueles cuja razão está em plena maturidade, porque é dada sem nenhum sabor... Graças à poesia, torna-se acessível mesmo àqueles cuja razão ainda está na tenra infância...»
A arte não é, portanto, um fim em si. É um meio a serviço do conhecimento sagrado. Mas se a arte hindu é feita para representar as leis universais e para nos determinar «a nos conduzir como Râma e seus semelhantes e não como Râvana e seus semelhantes [6]», está longe de ser didática e moralizadora. Os tratados instrutivos e os livros de moral se dirigem ao intelecto. A arte, pela via do sentimento, busca tocar o próprio ser. E é pouco dizer que a arte «representa» o universo; ela o refaz, realmente, reconstrói dele uma analogia.
Portanto, dois princípios, estreitamente ligados, estão na base da estética. Um — recriação, analogia do universo — manifesta-se sobretudo nas artes plásticas. O outro — estabelecimento de um contato emocional entre o indivíduo e as leis universais — aparece mais na música, na dança, na poesia. O primeiro se expressa em particular pela noção de pramâna (proporção justa, exatidão analógica, conformidade à ideia modelo [7]) na arquitetura, na escultura, na pintura. O segundo mostra-se na poesia pela noção do rasa, «sabor» apreensão direta de um estado do ser, de que falaremos logo.


Ver online : Approches de l’Inde - Tradition et incidences, dir. Jacques Masui, Cahiers du Sud, 1949
Approches de l’Inde - Tradition et incidences, dir. Jacques Masui, Cahiers du Sud, 1949
[1] Prâkrita, «natural, produto de prakriti», opõe-se a samskrita, «aperfeiçoado, feito ou refeito intencionalmente», num certo sentido «consagrado». Assim, as línguas se dividem em prâkrit e sânscrito; o homem, tal como a natureza e a sociedade natural o produzem, é prâkrita, ou ainda akritâtman, «que não fez um si»; torna-se samskrita e kritâtman pelo conhecimento sagrado, simbolizado e efetuado pelos «sacramentos» ou samskâra.
[2] Na Primeira Leitura do Nâtya-çâstra, «Tratado do Teatro», atribuído ao muni Bharata. É a mais antiga autoridade em matéria de estética (pois o Teatro é a arte total), unanimemente reconhecida pelos estetas hindus até nossos dias. Tentei uma tradução dessa Origem do Teatro na revista Mesures, outubro de 1935.
[3] Lokavrittânukarana (Nâtya-çâstra, I, 110). A palavra loka tem os diversos significados do francês «mundo»: o universo num sentido geral e mais ou menos vago; tal ou qual sistema cósmico particular; o conjunto das coisas sensíveis; a humanidade e especialmente a humanidade profana, a sociedade natural, «as pessoas».
[4] A primeira representação causou escândalo. O santo Bharata, encarregado, com seus cem filhos, de organizá-la, não tinha encontrado nada melhor do que encenar a luta vitoriosa dos Devas contra os Asuras. Estes, convidados ao espetáculo, irritaram-se e, em plena sala, a luta recomeçou de verdade. Brahmâ teve que intervir e explicar às duas tropas inimigas que, em seu antagonismo, Devas e Asuras eram indispensáveis à harmonia do universo, e consequentemente à do Teatro que é sua imagem (ibid.).
[5] Sâhitya-darpana, por Viçvanatha Kaviraja. Esta obra (século XIV de nossa era?) é a mais representativa da escola do rasa (da «Sabor», ver adiante), e talvez a mais aprofundada de todos os tratados de arte poética, hindus e outros. Existe uma tradução inglesa, muito literária e de leitura árdua, por J. R. Ballantyne e Pramada Dasa Mitra (Bibliotheca Indica, Calcutá, 1875).
[6] Sâhitya-darpana, I, 2. Alude-se aqui aos principais protagonistas do Râmâyana.
[7] Ver P. Masson-Oursel, Uma conexão entre a estética e a filosofia da Índia, a noção de pramâna, em Revue des Arts Asiatiques, 1925 e A estética indiana, em Rev. de Métaph. et de Morale, 1936. Ver também A. K. Coomaraswamy, Introduction to the art of Eastern Asia, Boston, e outras obras.