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La Grande beuverie

René Daumal – A Grande Bebedeira

Avant-propos

terça-feira 1º de julho de 2025

Nego que um pensamento claro possa ser inexprimível. No entanto, a aparência me contradiz: pois, assim como há certa intensidade de dor onde o corpo já não está envolvido, porque se dele participasse, fosse mesmo com um soluço, seria, parece, imediatamente reduzido a cinzas; assim como há um cume onde a dor voa com suas próprias asas, do mesmo modo há certa intensidade do pensamento onde as palavras já não têm parte. As palavras convêm a certa precisão do pensamento, como as lágrimas a certo grau da dor. O mais vago é inominável, o mais preciso é inefável. Mas isso é, verdadeiramente, apenas aparência. Se a linguagem só expressa com precisão uma intensidade média do pensamento, é porque a média da humanidade pensa com esse grau de intensidade; é a essa intensidade que ela consente, é desse grau de precisão que ela convém. Se não conseguimos nos fazer entender claramente, não é nosso instrumento que se deve acusar.

Uma linguagem clara supõe três condições: um falante que saiba o que quer dizer, um ouvinte em estado de vigília, e uma língua que lhes seja comum. Mas não basta que uma linguagem seja clara, como uma proposição algébrica é clara. É preciso ainda que tenha um conteúdo real, e não apenas possível. Para isso, é necessário, como quarto elemento, entre os interlocutores uma experiência comum daquilo de que se fala. Essa experiência comum é a reserva de ouro que confere valor de troca a essa moeda que são as palavras; sem essa reserva de experiências comuns, todas nossas palavras são cheques sem fundos; a álgebra, justamente, não passa de uma vasta operação de crédito intelectual, uma falsificação legítima porque assumida: todos sabem que ela tem seu fim e seu sentido em outra coisa que não ela mesma, a saber, na aritmética. Mas ainda não basta que a linguagem tenha clareza e conteúdo, como se digo "naquele dia, chovia" ou "três e dois são cinco"; é preciso ainda que tenha um fim e uma necessidade.

Do contrário, de linguagem cai-se em palavrório, de palavrório em tagarelice, de tagarelice em confusão. Nessa confusão de línguas, os homens, mesmo tendo experiências comuns, não têm língua para trocar seus frutos. Depois, quando essa confusão se torna intolerável, inventam-se línguas universais, claras e vazias, onde as palavras não passam de falsa moeda que já não é lastreada pelo ouro de uma experiência real; línguas graças às quais, desde a infância, nos inchamos de falsos saberes. Entre a confusão de Babel e esses estéreis esperantos, não há que escolher. São essas duas formas de incompreensão, mas sobretudo a segunda, que vou tentar descrever.


Ver online : DAUMAL, René. La grande beuverie. Éd. nouvelle ed. Paris: Gallimard, 1994


DAUMAL, René. La grande beuverie. Éd. nouvelle ed. Paris: Gallimard, 1994