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Abellio (Ézéchiel) – Vida, fugas e retornos
segunda-feira 7 de julho de 2025
Para que serve a astúcia? A poesia me arrebata, como sempre. Um ano de solidão, de despojamento, de reflexão sobre as coisas essenciais, para me deixar ainda prender nas armadilhas da poesia e da noite! Esta noite me vampiriza, me dispersa e me dissolve em pó de estrelas. É apenas a perspectiva nebulosa da rue Réaumur, mas as luzes se alinham e se ordenam, sua longa fila se estende tão longe quanto se queira, eixo do reino onde se encontram as promessas de felicidade e as verdades eternas. Como são fugitivas e enganosas essas irrupções noturnas da paz que se deve a um silêncio exaltado! Demasiado espaço, demasiadas luzes! A gente se deixa levar por elas, mesmo que retorne de repente tremendo de raiva contra a própria covardia. Retorna, e é outra covardia que se encontra. É isso a vida? É só isso? Fugas e retornos. Fuga para estrelas que são apenas postes de luz, rue Réaumur, e a poeira mal limpa ou uma voltagem de escassez produzem nelas efeitos de nuvens. Retorno depois, e esta noite, será o mergulho no mundo subterrâneo de Drameille e Hélène Gérault, o mergulho abissal superexcitante, e nunca se desce o suficiente, sabe-se, gostaria-se que a descida aos infernos durasse ainda e sempre. Mas eis que falta temperamento, ou gênio, ou coragem, e também se sabe disso. Sempre se sofre de alguma falta...
O ano de 1943 foi certamente o mais determinante da minha vida. Não por minhas aventuras políticas, das quais falarei, e que, há muito tempo, não eram mais que de interesse secundário: por outros golpes. Foi em 1943, em poucos meses, que se desataram ou se romperam os laços que me prendiam aos três seres que eu amava, e que, por si sós, povoavam para mim o mundo, minha mulher Sylvie, Patrick, meu antigo chefe das Brigadas Internacionais, e o beneditino espanhol Luis Carranza, a quem eu havia salvado a vida durante a retomada de Trijueque, sempre na frente de Guadalajara, e que, desde então, para me pagar, havia empreendido purgar minha alma de toda superstição. Após a partida de Sylvie, a deportação de dom Luis e a morte de Patrick levaram ao auge a desordem e a violência da minha vida. Foi nesse momento que resolvi, para mim, de uma vez por todas, o problema do sofrimento. E até, será que realmente sofri? Eu me interessava demais. No fundo do sofrimento mais cruelmente vivido, a consciência sempre faz brotar uma fina e brilhante chama que reduz a dor à sua essência mais preciosa. Essa essência não se chama mais dor, mas sensação aguda da posse de um mundo, voluptuosa destruição de um mundo. É o soma do sacrifício, a ambrosia dos deuses.
À medida que avanço na rue Réaumur, sob este céu perfeito, a vontade poderosa que me toma de enfrentar Hélène e segui-la em sua noite, de olhos abertos, sem ser nem seu cúmplice nem sua vítima, essa vontade se ilumina e se endurece. O brilho da luz que um ser é capaz de tirar de si machucando-se nos sílex da estrada mede-se pela espessura da noite, pela profundidade dos abismos nos quais ele pode avançar sem afundar. O sofrimento é uma ideia superficial na terra, mas é preciso explorar abismos. Somente aquele que descer será elevado. E aquele que descer mais baixo será elevado mais alto. Eis por que, conhecendo minhas sombras e as de Hélène, eu lhes dedico uma amizade fiel. No entanto, creio em Deus, e muitas vezes penso em sua graça que poderia, como um sol equatorial, apagá-las. Sylvie viveu em estado de graça, sem o saber. Não havia sombras em Sylvie. Mas eu não desejo uma graça inconsciente ou prematura. A ideia da graça, como aquela também complacente do suicídio, só me proporciona uma inconsistente nostalgia. Minha necessidade de amar está ausente dela, minha sinceridade, tudo o que constrói minha potência de homem, essa honestidade obstinada que me empurra, ao longo dos dias e das noites, até o limite de mim mesmo, apesar dos naufrágios sem importância...


Abellio, Raymond. Les Yeux d’Ézéchiel sont ouverts. Paris : le Livre de poche, 1968