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Jean-Louis Chrétien – personagens na trilogia de Beckett
segunda-feira 7 de julho de 2025
Passemos aos personagens. Desde o início de O Inominável, o "eu" se coloca como sua origem. São "fantoches" (I, 8), "meus delegados" (I, 17), "minhas criaturas" (I, 22), "esses bodes expiatórios" (I, 28), "meu rebanho de excitados" (I, 35), "esses sacos de serragem" (I, 173), etc. É impressionante que os nomes mencionados não pertençam apenas aos dois primeiros volumes da trilogia, mas também a obras anteriores (Murphy), incluindo aquelas que permanecerão inéditas por muito tempo ainda, como Mercier e Camier, publicado em 1970. O caráter transcendental do relato se reencontra aqui, já que a relação de uma voz narrativa com os personagens que ela produz e que ela imagina, objeto às vezes de confissões e comentários fora da obra (como o famoso "Madame Bovary sou eu", atribuído, de maneira aliás muito indireta, a Flaubert), torna-se aqui um tema da própria obra. Moran já se perguntava se não havia inventado a existência de Molloy, "em certas sequências cerebrais". "Pois quem poderia ter me falado de Molloy senão eu e a quem senão a mim poderia eu ter falado dele?" (M, 173) E Malone enganava, mal, seu tédio contando a história de Saposcat, que se torna Macmann, pois "pergunto-me como pude suportar esse nome até agora" (MM, 101).
Reencontramos a inversão, múltipla, dos valores tradicionalmente conferidos à invenção de subjetividades fictícias. O retorno dos personagens, na Comédia Humana de Balzac Balzac Honoré de Balzac (1799-1850) , fazia do romance um mundo paralelo onde, envolvidos em diversos relatos, tempos, situações, relações, adquiriam uma espessura: aqui a ventriloquia caprichosa, marcada pelas mudanças de nome, revela que esses personagens não são senão fantoches ou fantasmas. A posição demiúrgica do romancista cuja imaginação plástica podia habitar uma multitude de figuras das quais se enriquecia, é igualmente posta em questão e em dúvida. O eu narrativo e demiúrgico não alcançará o que espera das formas em que se objetiva. Malone Morre afirmava (antes de seguir essa afirmação, como convém, com um comentário irônico): "As formas são variadas onde o imutável se alivia de ser sem forma" (MM, 42). Mas esse alívio acontece? Mais adiante, anuncia-se a esperança de que com sua morte "será o fim dos Murphy, Mercier, Molloy, Moran e outros Malone" (MM, 116, mas ele acrescenta "a menos que continue no além-túmulo"). Malone morre, mas Malone também mata: "Pois quero colocar lá (sc. no caderno onde escreve) uma última vez aqueles que chamei em meu socorro, mas mal, de modo que não entenderam, para que morram comigo. Descanso." (MM, 191) Por falta de comer suas pequenas criaturas, como Cronos devorava seus filhos, como Malone sonhava (MM, 96), é preciso livrar-se delas, dar-lhes licença:
"É agora que vou falar de mim, pela primeira vez. Pensei ter agido bem, juntando esses bodes expiatórios. Enganei-me. Eles não sofreram minhas dores, suas dores não são nada, ao lado das minhas, nada mais que uma pequena parte das minhas, aquela da qual eu pensava poder me desprender, para contemplá-la. Que agora eles se vão, eles e os outros (...)" (I, 28).
A objetivação falhou, não aliviou.
Mas é possível dispensar esses substitutos de nós mesmos? Se Madame Bovary sou eu, não é concebível que eu seja Madame Bovary? Flaubert escreveu em uma carta: "O envenenamento de Bovary me fez vomitar na minha penico. O assalto a Cartago me causa dores nos braços. – E é, no entanto, o que a profissão oferece de mais agradável!" (Com uma orelha, ouvimos a histeria de Michelet, e com a outra, a queixa rabugenta dos personagens de Beckett Beckett BECKETT, Samuel (1906-1989) .) Quem ocupa o lugar de quem? Quem se objetiva em quem? Projeção, ou posse?
"É ele (= Mahood) quem me contava histórias sobre mim, vivia por mim (in my stead, em meu lugar), saía de mim, voltava para mim, entrava em mim, me assaltava com histórias. (...) É a voz dele que muitas vezes, sempre, se misturou à minha, a ponto de às vezes cobri-la completamente, até o dia em que ele me deixou de vez, ou não quis mais me deixar, não sei" (I, 37).
A página seguinte aprofunda essa assombração, onde outra voz vem ocupar minha voz. Meu ser se dilata ao inventar outra voz, outra vida, ou, ao contrário, empobrece-se a ponto de ser apenas uma espécie de médium ("a boca aberta, adormecida", de onde escapam mentiras)? Quando entramos por empatia em outra consciência, real ou fictícia, o que acontece exatamente? Quem entra, e quem deixa entrar? Segundo o exemplo antigo e célebre, é Zhuangzi que sonha que é uma borboleta, ou uma borboleta que sonha que é Zhuangzi? Beckett Beckett BECKETT, Samuel (1906-1989) não para de brincar com essa reciprocidade, a ponto de produzir uma incerteza generalizada. "Mahood mesmo quase me pegou mais de uma vez. Fui ele por um instante, mancando em suas muletas" (I, 49, cf. 51). A forma onde o informe se objetiva torna-se em retorno um poder de objetivação, de encarnação, de aprisionamento. "Esse é um processo caro a Mahood, fazer intervir testemunhos supostamente independentes, em apoio à minha existência histórica" (I, 53, cf. 83). Aqui novamente, essa vertigem fantástica se apoia na dramatização de uma lei do real: sou transformado pelo que transformo, feito pelo que faço, nossos livros nos produzem pelo menos tanto quanto nós os produzimos (Montaigne como Michelet o diziam explicitamente).
Seja como for, uma vez que essa reciprocidade começa, não se sabe onde isso vai parar, vai surgir toda uma comédia humana, que Beckett Beckett BECKETT, Samuel (1906-1989) prefere chamar de "o reino animal" (I, 82) (cf. I, 84: "Vou me deliciar com mamíferos"), pois assim que há três, há quatro: "Eu sabia, seríamos cem e precisaríamos ser cento e um" (I, 87). O que parecia um caminho para si revela-se desapropriação de si, o criador é criado, o narrador narrado. Querer enganar sua solidão, como se diz enganar a fome, só piora as coisas. Não se trata, por essas observações, de atribuir a Beckett Beckett BECKETT, Samuel (1906-1989) uma tese subjacente sobre a identidade ou a não-identidade da voz, mas de sublinhar a aporética generalizada, o abalo profundo onde o relato lança os conceitos recebidos de narrador e personagem. A reflexão sobre as condições de possibilidade de um personagem estabelece, de fato, condições de impossibilidade. "Ele me sente nele, então ele diz eu, como se eu fosse ele, ou em outro, então ele diz Murphy, ou Molloy, não sei mais, como se eu fosse Malone" (I, 195). Aqui novamente, há uma inversão dos sinais, e vemos a face sombria daquilo que o grande romance do século XIX mostrava a face luminosa: a invenção de personagens mina minha identidade em vez de ampliá-la, e só resulta em fantoches em vez de manifestar minha potência plástica e imaginativa.
A existência do personagem para Beckett Beckett BECKETT, Samuel (1906-1989) é uma existência larvária em todos os sentidos da palavra. Larva em latim significa um fantasma, um assombração. Mas também uma máscara, sentido que a palavra ainda tem em alemão, ao contrário do francês e de outras línguas românicas: é um tema importante de Martinho Lutero que toda criatura é uma "larva de Deus", uma máscara e um representante de Deus e de sua ação. E há o sentido zoológico moderno que todos conhecem. Os personagens de Beckett Beckett BECKETT, Samuel (1906-1989) são fantasmas: "Sim, felizmente que os tenho, esses fantasmas falantes, não os terei sempre, acabarão por me fazer crer que eu pipiei" (I, 146, "pipiei" no sentido de "falei", em inglês há piped up, começou a cantar uma melodia). Como "delegados" e "criaturas", eles são também máscaras do eu narrativo. E suas condições de vida (precisa-se lembrar?) os fazem cair também em um estado larvário no sentido comum. A esse triplo título, eles não poderiam ser para o leitor um lugar onde viver sua vida por procuração, nem sua consciência oferece consistência suficiente para que se possa desnudá-la. Nesse sentido, e na medida do possível em um relato moderno, Beckett Beckett BECKETT, Samuel (1906-1989) , de fato, contesta fundamentalmente o projeto repleto de húbris que é objeto deste livro, o de violar o segredo dos corações.


Chrétien, Jean-Louis. Conscience et roman I. Paris : Minuit, 2009