Página inicial > Obras e crítica literárias > Jean-Louis Chrétien – Balzac, abstração e especialidade
Jean-Louis Chrétien – Balzac, abstração e especialidade
segunda-feira 7 de julho de 2025
Não se trata aqui de expor todas as teses de Louis Lambert, mas apenas de destacar o que é esclarecedor para o presente propósito. Louis Lambert distingue três "esferas", cada vez mais elevadas, no "mundo das Ideias", o único real para ele, três esferas que correspondem a tantas maneiras humanas de viver e pensar, e portanto a tantas categorias de homens, mesmo que existam entre cada esfera e a seguinte formas mistas, onde se participa das duas, em graus diversos e com resultados diversos, seja fecundos, seja paralisantes. A existência dessas hibridações é o que distingue essas esferas dos três ordens de Pascal, seu caráter não histórico nem sucessivo é o que as distingue dos três estados de Auguste Comte. Essas esferas são "a do Instinto, a das Abstrações, a da Especialidade". O plural das Abstrações as opõe ao singular do Instinto e da Especialidade. "Se a Abstração comparada ao Instinto é um poder quase divino, ela é uma fraqueza inaudita, comparada ao dom da Especialidade que pode sozinha explicar Deus" - similitude estrutural, ceteris paribus, com os "ordens" pascalianos: "A distância infinita dos corpos aos espíritos figura a distância infinitamente mais infinita dos espíritos à caridade, pois ela é sobrenatural". "A Abstração compreende toda uma natureza em germe mais virtualmente que a semente contém o sistema de uma planta e de seus produtos. Da Abstração nascem as leis, as artes, os interesses, as ideias sociais".
Foi dito um pouco antes que "na Abstração começa a Sociedade". É o pensamento conceitual que classifica, divide, ordena, subsume, categoriza. O "mais virtualmente" faz problema no contexto: segundo qual sentido do "virtual" deve-se entendê-lo, aquele, latino, da força e do poder, ou aquele, francês, do que é apenas possível, caso em que ser mais virtual seria antes uma inferioridade? Parece que são os dois: o que, por sua generalidade, subsume o maior número de fenômenos possíveis, é também o que possui a maior potência geradora ("toda uma natureza em germe" por oposição à "semente" que só pode produzir uma única planta). Há ecos plotinianos, tornados lugar-comum desde a filosofia da Renascença.
Mas a Abstração, pensa ainda Louis Lambert, é ao mesmo tempo "a glória e o flagelo do mundo", glória como princípio da sociedade e da civilização, flagelo porque "dispensa o homem de entrar na Especialidade, que é um dos caminhos do Infinito" e do divino. A Especialidade será de fato uma visão intuitiva oposta ao pensamento por conceito, visão concebida sobre o modelo da inteligência divina. O que a Abstração ganha de um lado, perde do outro: "O homem julga tudo por suas abstrações, o bem, o mal, a virtude, o crime. Suas fórmulas de direito são suas balanças, sua justiça é cega: a de Deus vê, tudo está aí". A Abstração jurídica reduz o singular ao universal: este ato pertence a esta categoria de delitos ou crimes? É um roubo à mão armada? A singularidade do ato, seu caminho e seu sentido, ficam fora da questão. Pelo que reencontramos o juiz Popinot. A seu respeito, em A Interdição, Balzac Balzac Honoré de Balzac (1799-1850) lembrava a distinção clássica, já meditada por Aristóteles, entre direito e equidade, e escrevia: "Um homem pode ter razão em equidade, torto em justiça, sem que o juiz seja censurável. Entre a consciência e o fato, há um abismo de razões determinantes que são desconhecidas ao juiz, e que condenam ou legitimam um fato. Um juiz não é Deus (...). Se o juiz tivesse o poder de ler na consciência e discernir os motivos para render sentenças equitativas, cada juiz seria um grande homem". É bem o caso de Popinot: ele não faz uma justiça cega, pois tem a visão do coração, e portanto do singular, do sentido deste ato desta pessoa única. Qualquer que seja a distância que se possa ter em relação ao enraizamento em Swedenborg das teses de Louis Lambert, não deixa de ser impressionante que o único exemplo dado nestas últimas sobre o "flagelo" da Abstração seja o do julgamento jurídico e moral, em favor de um elogio da equidade, a qual repousa sobre o discernimento do singular. Isso não tem nada de extravagante, e se aplica estritamente às situações mais concretas que a Comédia Humana põe em jogo.
O que seria então essa visão do singular chamada "Especialidade", nome certamente muito infeliz, todos os comentadores concordam nisso, mas que não passa de uma das formas do que aqui se chama cardiognose? A "especialidade" ou "especialismo", que Balzac Balzac Honoré de Balzac (1799-1850) deriva do latim species, entendido como "visão" e do speculum (espelho) como "meio de apreciar uma coisa vendo-a por inteiro", é na verdade mais ampla que a cardiognose, que constitui apenas um de seus dois componentes. "A Especialidade consiste em ver as coisas do mundo material tanto quanto as do mundo espiritual em suas ramificações originárias e consequentes." Ela é portanto em sua essência uma visão, uma intuição: "A perfeição da visão interior gera o dom da Especialidade. A Especialidade traz consigo a intuição. A intuição é uma das faculdades do HOMEM INTERIOR cujo Especialismo é um atributo." Balzac Balzac Honoré de Balzac (1799-1850) se insere aqui numa longa e rica tradição. A noção de "homem interior", de origem paulina, aprofundou-se na antropologia e na mística cristãs numa doutrina dos "sentidos espirituais". Há uma visão, uma audição, um olfato, um tato do coração ou do homem interior.
A partir daí, abrem-se duas possibilidades: ou se insiste na diferenciação desses sentidos, cada um tendo, como no corpo, seus objetos próprios e modo específico de acesso; ou se busca reconduzi-los a um sentido fundamental, do qual seriam apenas modalidades diversas - sendo esse sentido, na maioria das vezes, a visão. Esta segunda possibilidade, às vezes adotada por Santo Agostinho, é a que Louis Lambert segue. O "domínio do sentido único" é "a faculdade de ver", e Louis Lambert precisa: "A Vontade se exerce por órgãos vulgarmente chamados os cinco sentidos, que na verdade são um só, a faculdade de ver. O tato como o gosto, a audição como o olfato, são uma visão adaptada às transformações da SUBSTÂNCIA." Tudo se reduz à intuição no sentido estrito, mas notemos - o que é da mais alta importância - que o sujeito dessa intuição é a vontade. O "voluntarismo" de Balzac Balzac Honoré de Balzac (1799-1850) é notório. Pode parecer, porém, que sua doutrina a esse respeito não seja uniforme e falte em coerência, pois no importante prefácio de A Pele de Onagro, ele distingue radicalmente duas partes da arte literária, a "observação" e a "expressão": "Destas duas disposições intelectuais resultam, de certo modo, uma visão e um tato literários." Poder-se-ia ter um sem o outro. O "tato" parece aqui separado e distinto da "visão", em vez de ser uma forma dela, como para Louis Lambert. Mas esta contradição é apenas aparente: pois esse "tato" e essa "visão" não são os sentidos espirituais como órgãos da vontade, são disposições da inteligência. E nesse mesmo prefácio, Balzac Balzac Honoré de Balzac (1799-1850) esclarece que se a posse dessas duas faculdades "faz o homem completo", em vez do sonhador que apenas imagina suas obras sem poder escrevê-las, e do retórico que escreve obras vazias, ela ainda não atinge "a vontade que gera uma obra de arte". Esta vontade supõe nos escritores algo mais, "uma espécie de segunda vista que lhes permite adivinhar a verdade em todas as situações possíveis; ou, melhor ainda, não sei que poder que os transporta aonde devem, aonde querem estar". Esta faculdade de "inventar o verdadeiro" é precisamente o que Louis Lambert chama "Especialidade".
Voltemos à definição da "Especialidade" e a seu objeto. Esta intuição tem como característica própria não captar o estado, ainda que secreto e oculto, de uma coisa ou de uma alma em sua mera efetividade instantânea, tal como é no momento em que se a vê, mas abarcar num só olhar a lei de seu desenvolvimento temporal, o passado de que é rica e o futuro de que é prenhe. É isso que caracteriza a "Especialidade" como tal, e a que remete, em sua definição, a expressão "ramificações originárias e consequentes". Tendo indicado que essa intuição podia incidir sobre o mundo material como sobre o espiritual, Balzac Balzac Honoré de Balzac (1799-1850) dá dois exemplos para ilustrar essas duas possibilidades: "Jesus era Especialista, via o fato em suas raízes e produções, no passado que o gerara, no presente onde se manifestava, no futuro onde se desenvolveria; sua visão penetrava o entendimento alheio." Trata-se claramente da cardiognose. Todo teólogo cristão tradicional afirma o mesmo, ainda que com outras palavras que não as de Balzac Balzac Honoré de Balzac (1799-1850) . Mas o que é propriamente balzaquiano é que o exemplo de Cristo, em vez de ilustrar um poder que só a ele pertence e pode pertencer, em virtude da união hipostática entre humanidade e divindade, figura, certamente de modo extremo e supremo, uma possibilidade que pode existir em outros homens, especialmente no romancista.
Quanto ao mundo material, a intuição "age por uma sensação imperceptível ignorada por quem lhe obedece: Napoleão saindo instintivamente de seu lugar antes que uma bala ali chegasse." Há portanto uma assimetria, pois a leitura dos corações não pode se exercer sem nosso conhecimento, enquanto a outra forma de intuição pode fazê-lo. O "Especialista", prossegue Louis Lambert, é o homem perfeito ou realizado, ele "é necessariamente a mais perfeita expressão do HOMEM, o elo que liga o mundo visível aos mundos superiores: age, vê e pensa por seu INTERIOR. O Abstrativo pensa. O Instintivo age." Seu pensamento é um ato. Seu ato é um pensamento ou uma visão. Ele unifica o homem ao mesmo tempo que unifica o mundo. Seraphita retoma as mesmas concepções. Swedenborg é citado como exemplo de cardiognose: "Sabia reconhecer com um só olhar o estado da alma daqueles que se aproximavam, e transformava em Videntes os que queria tocar com sua palavra interior." Os poderes de Cristo lhe são atribuídos sem hesitação! Quanto a Seraphita, fala a linguagem de Louis Lambert: "Tenho o dom da Especialidade, respondeu. A Especialidade constitui uma espécie de visão interior que penetra tudo, e só entenderás seu alcance por uma comparação." Os escultores podem encarnar no mármore "um mundo de pensamentos", "carregam dentro de si um espelho onde a natureza se reflete com seus mais leves acidentes. Pois bem, há em mim como um espelho onde se reflete a natureza moral com suas causas e efeitos. Adivinho o futuro e o passado penetrando assim a consciência (...). Entenderás como li na alma do estrangeiro, sem contudo te explicar a Especialidade; pois para conceber este dom, é preciso possuí-lo."
Sigamos nossas considerações apesar deste último aviso que parece nos excluir e pôr fora do jogo. O que resulta de toda essa especulação, à qual certamente não se pode aderir facilmente, mas que tem um sentido coerente e claro?


Chrétien, Jean-Louis. Conscience et roman I. Paris : Minuit, 2009