[...] nos meus momentos mais ensolarados de devaneio, o próprio Mundo me aparece como uma larga estrada sertaneja, um Tabuleiro seco e empoeirado, onde, por entre pedras, cactos e espinhos, desfila o cortejo luminoso e obscuro dos humanos — Reis, valetes, Rainhas, cavalos, torres, Curingas, Damas, peninchas, Bispos, ases e Peões. Todo este meu Castelo e os acontecimentos que nele sucedem para sempre, me aparecem com o elemento festivo e sangrento dos sonhos, como a encenação de um espetáculo (…)
Excertos de obras literárias, cênicas e gráficas, além de crítica literária, com foco no imaginal mitográfico, lendário e fantástico.
Matérias mais recentes
-
Suassuna (Pedra do Reino) – Mundo
30 de junho, por Murilo Cardoso de Castro -
Suassuna (Pedra do Reino) – três sangues dentro do homem
30 de junho, por Murilo Cardoso de Castro— Não, não é isso o que eu dizia não, Dinis! Momentos de medo, como esse que você diz, todo mundo tem! Agora mesmo é um desses: você está ameaçado, apavorado! E tem razão para isso, porque você é um homem marcado, faça o que fizer e fuja como fugir! Momentos como esses são os de se gritar para Deus, dizendo: “Tome suas providências! Tome, porque no meu aniquilamento, não sou capaz de fazer mais nada! E mesmo que ainda pudesse tomar algumas, seriam as providências da fraqueza, da maldade, da (…)
-
Suassuna (Pedra do Reino) – um pequeno rabo judaico-sertanejo, o cotoco
30 de junho, por Murilo Cardoso de Castro— Apesar de tudo isso, no meu caso particular, com todo o orgulho judaico-sertanejo, mouro-vermelho e negro-ibérico que sinto, o cotoco me prejudica e muito! Primeiro, ele existe mesmo, em mim, Sr. Corregedor: no fim das minhas costas, o osso que fica entre as duas bundas, tem uma pequena saliência, um pequeno rabo judaico-sertanejo, o cotoco enfim! Depois, não sei se por causa do osso, ou porque a dose de sangue judaico que eu tenho é maior do que a dos paraibanos comuns, o fato é que a (…)
-
Suassuna (Pedra do Reino) – Diabo
30 de junho, por Murilo Cardoso de CastroUMA PERGUNTA, Dom Pedro Dinis Quaderna: o senhor acredita no Diabo? — Como é que posso não acreditar, Sr. Corregedor? Ainda agora, quando eu vinha para cá, ele apareceu ao irmão do Comendador Basílio Monteiro, ali, no monturo da areia do rio, perto do Chafariz! Eugênio Monteiro estava me lembrando quantas vezes, aqui no Sertão, a gente encontra, nessas chapadas nuas e pedregosas, seres alados e perigosos, cruéis e sujos, bicando os olhos dos borregos e cabritos! Quem são eles? Gaviões? (…)
-
Suassuna (Pedra do Reino) – sentir com as ideias
30 de junho, por Murilo Cardoso de Castro[...] "olhando em torno e procurando sentir com as ideias aquilo que já pensara com o sangue." Uma contundente declaração do imediato do sangue e de seu "pensar" e do narrativo das ideias contadas para serem sentidas. E, ainda mais, a fantástica constatação "de que o mundo era um Bicho sarnento [a Onça] e os homens os piolhos e carrapatos chupa-sangue que erram por entre seus pelos pardos, sobre seu couro chagado, escarificado e feridento, marcado de cicatrizes e peladuras, e queimado a fogo (…)
-
Suassuna (Pedra do Reino) – da "desconhecença" para a "sabença"
30 de junho, por Murilo Cardoso de CastroHÁ MUITO TEMPO que eu desejava me instruir sobre aquela profunda Filosofia clementina, para me ajudar em meus logogrifos. Por isso, avancei:
— Clemente, esse nome de “penetral” é uma beleza! É bonito, difícil, esquisito, e, só por ele, a gente vê logo como sua Filosofia é profunda e importante! O que é que quer dizer “penetral”, hein?
Clemente, às vezes, deixava escapar “vulgaridades e plebeísmos” quando falava, segundo sublinhava Samuel. Naquele dia, indagado assim, respondeu:
— Olhe, (…) -
Nancy (Scène) – princípio de sobriedade
30 de junho, por Murilo Cardoso de CastroIsso me leva a uma última palavra, sobre o princípio de sobriedade que invocas. Gostaria de tentar dar-lhe um conteúdo mais definido. Por ora, proporia o seguinte: a sobriedade não se oporia primeiro, de modo simplesmente exterior e formal (pois, precisamente, onde começa a "forma"?), à sobrecarga ou à embriaguez. Significaria antes que não se trata de crer num álcool das palavras e das formas, cujos vapores dariam acesso a alguma revelação. A arte sóbria se oporia à arte mistagógica – no (…)
-
Nancy (Scène) – questão do corpo na encenação
30 de junho, por Murilo Cardoso de CastroE como tu mesmo indicas, sem que eu te tenha solicitado nesse sentido (se bem me lembro da minha primeira carta), trata-se de uma questão de "corpo". Não insistirei muito nessa palavra, em relação à qual conheço tuas reticências ou resistências.
(Sem dúvida há aí, entre o calvinismo que evocas e o catolicismo que eu poderia evocar, assim como provavelmente entre um helenismo e outro – digamos, por dispositivo sinalético, "Platão"/"Aristóteles" – ou entre um judaísmo e outro – (…) -
Nancy (Scène) – retorno à questão da subjetividade
30 de junho, por Murilo Cardoso de CastroComo se pode imaginar, não vou defender um desses enfadonhos “retornos ao/ do sujeito” que alguns se esforçavam por promover há algum tempo. Ao contrário, estou plenamente convencido de que estamos no fim da subjetividade entendida como a presença-a-si que sustenta as representações e que as refere a si mesma como suas – sendo ela própria, precisamente, irrepresentável. Mas eu diria antes que o irrepresentável talvez seja ele mesmo apenas um efeito programado pelo sistema da subjetividade. E (…)
-
Lacou-Labarthe (Scène) – mise en scène (encenação)
30 de junho, por Murilo Cardoso de CastroMeu caro Jean-Luc Nancy,
Retomemos então a discussão, é uma boa ideia. Mas isso não nos rejuvenesce muito: é uma discussão que tivemos há cerca de vinte anos, entre 1970 e 1972, parece-me. E, na minha lembrança pelo menos, não dizia respeito especificamente ao teatro, mas à ópera, da qual éramos grandes "consumidores" na época (não parávamos de ouvi-la): decepcionado com todas as "encenações" que havia visto – incluindo as de Wieland Wagner em Bayreuth, em 1969 (Tristão, a Tetralogia, (…)
- página anterior
- página seguinte