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Tournier (Célébrations) – Diálogo do insípido e do temperado
sábado 28 de junho de 2025
Convém começar pelo começo. Quem já teve a tarefa de alimentar crianças pequenas sabe como é difícil fazê-las abandonar uma certa insipidez fundamental para elas. Para os bem pequenos, a chave é fácil de encontrar: o leite. Leite puro, sem qualquer acréscimo. Passar daí para o iogurte e a infinita variedade dos queijos não é tarefa simples. Melhor começar com purê de batata e peito de frango. Qualquer avanço no campo dos sabores mais acentuados provoca recusa veemente (eca!). Nada menos curioso que uma criança no domínio culinário. Tudo que é novo é a priori ruim. É o contrário do "tudo que é bonito é novo". Nenhuma experiência a atrai. Daí resulta que uma criança será tanto mais "difícil" quanto mais modesta for sua origem. Pode-se também interpretar esse fato pela importância atribuída à alimentação, tanto maior quanto mais ameaçadora for a pobreza. A criança rica tem liberdade para brincar comendo.
Para o pobre, é coisa séria demais para brincadeiras. A comida é sagrada (como era o pão até pouco tempo atrás).
No princípio há a insipidez. Cada civilização se define por um alimento básico substancial e insípido, designado por uma palavra de três letras. São eles: o trigo para o Ocidente, o milhete para a África e o arroz para o Oriente. Todas são superadas por um quarto elemento - também de três letras - e de insipidez absoluta: a água.
Há menos de cem anos, cada francês comia em média um quilo de pão por dia. Todo o resto servia apenas de acompanhamento a esse alimento básico: cebolas, queijo, toucinho, salame, chocolate. A sopa da noite era ainda pão, cozido com legumes. A refeição atual de um camponês indiano compõe-se primeiro de um grande prato de arroz cozido sem qualquer preparo. Cada um enche seu prato. Depois, rega-o com o conteúdo de vários pequenos potes que escolhe segundo seu gosto pessoal. Para o ocidental convidado, recomenda-se máxima prudência. Tendo me servido ao acaso, já na primeira garfada, desfiz-me em lágrimas sobre o prato.
O trigo, o milhete e o arroz são portanto, com a água, as substâncias culinárias de base. Elas definem a civilização particular em que se está. Seu caráter fundamental lhes confere valor sagrado. Ensina-se às crianças ocidentais que não se deve jogar pão fora. Permitam-me evocar uma lembrança pessoal. Por que respeitar o pão? Tendo passado de uma escola religiosa para um colégio municipal, tive a surpresa de ouvir duas explicações muito diferentes. "Porque o pão é santificado pela eucaristia", dissera o padre encarregado de nossa instrução religiosa. "Porque o pão simboliza o trabalho dos homens", disse-me o professor laico. Seria fácil lançar uma ponte entre essas duas visões.
Sobre essa base fundamental, a culinária constrói e inventa sem esgotar-se. Poder-se-ia dizer que a cultura edifica-se sobre a civilização. A civilização é a mesma para todos os que nasceram no mesmo lugar e época. Ela determina a vestimenta, a moradia, a linguagem, as ideias recebidas etc. A partir desse fundo comum, cada indivíduo constrói seu edifício próprio, seja em continuidade, seja em contradição com ele. Pois há culturas individuais que se voltam contra a civilização ambiente. Isso pode levar a conflitos sangrentos. O homem culto pode ser expulso, preso ou queimado pelo homem civilizado que o julga herege, iconoclasta ou simplesmente perigoso para a sociedade. Tal foi a cruel experiência de Giordano Bruno, queimado em Roma no ano 1600.
Sobre a insipidez do alimento básico assentam-se os sabores explosivos das especiarias, como cores vivas sobre página branca. O anis, o bétele, a canela, o caril, a noz-moscada, o cravo, o páprica, a pimenta, o açafrão, a sálvia e a baunilha desdobram seu arco-íris matizado.
Deve-se acrescentar a essa lista o par açúcar e sal? Não, pois açúcar e sal são alimentos, não condimentos. Os condimentos não servem para nada. Estão aí para o prazer. O açúcar e o sal contribuem poderosamente para a alimentação e o equilíbrio do organismo. Em termos espinosanos, o açúcar e o sal são atributos da substância insípida. Os condimentos são apenas acidentes. Mas toda a cultura é feita de acidentes, isto é, de riquezas inúteis, ainda que raras e custosas. A civilização é uma necessidade, a cultura um luxo.
A cultura culinária é traço fundamental de um país, de uma região, de cada indivíduo em particular. Essa cultura frequentemente se acompanha de rejeições passionais de outras culturas. Critica-se mais agressivamente o estrangeiro por "comer mal" que por vestir-se de modo extravagante ou falar língua incompreensível. A intolerância trai aqui um fundo religioso que já assinalamos. Manifesta o horror a um prato repugnante e sacrílego. Em Salammbô, de Flaubert, fala-se de "comedores de coisas imundas". O estrangeiro é sempre um pouco desses...


TOURNIER, Michel. Célébrations. Paris: Mercure de France, 1999