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Sampaio Bruno (1857-1915)
domingo 23 de fevereiro de 2025
Contribuição de Antonio Carneiro
Esta página do Instituto Camões oferece um sumário da vida e obra deste pensador português. A seguir excertos do livro "O Heterologos em Língua Portuguesa", de Maria Helena Varela, apresentando Sampaio Bruno Sampaio Bruno .
No encoberto cenário da nossa existência, nesse cenário crísico que é o século XIX em Portugal, Sampaio Bruno Sampaio Bruno parece emergir como um pensador solitário, heterodoxo e sibilino, afrontando na sua profecia sófica os destinos do humano e da história. Difícil é, pois, caracterizar o pensamento plural e heterodoxo do pensador livre, mais do que livre pensador, que foi este autor; sendo sempre mais fácil sabermos o que ele não foi, do que encontrar nas vulgatas filosóficas e ideológicas os ismos necessários e ou suficientes para o catalogar. Revoltado do 31 de Janeiro e vítima do exílio, membro do P.R.P e seu dissidente, deísta na juventude e místico e esotérico na maturidade, ele é o pensador de um heterologos complexo e matizado, rebelde e precursor, um profeta de mundos numinosos, mas que ficou sempre no limiar de tudo, sem coragem para ir mais além.
Com Sampaio Bruno Sampaio Bruno a filosofia profetiza, ou melhor, a profecia, enquanto visão rasgada de um Tempo com maiúscula, assume forma e valor filosófico, abrindo caminho para a poesia sófica de um dos nossos pensadores mais lúcidos, Fernando Pessoa Fernando Pessoa Pessoa, Fernando (1888-1935) . Fundindo filosofia, história e profecia, num corpo multiforme, plural e heterodoxo, mesclado de influências várias, ora mais positivas, ora mais esotéricas, Sampaio Bruno Sampaio Bruno contribuiu para uma filosofia da história e antropologia situada que nos parecem caracterizai- bem o heterologos. Talvez por isso, por mais indefinido e ambíguo, Bruno é considerado, por muitos autores, o iniciador do humanismo moderno em Portugal. Não se circunscrevendo aos modelos cientificistas dominantes, o positivismo marca-lo-á como paradigma epistemológico, embora os metaparadigmas o fascinem, e a revelação mística espicace a procura de uma verdade que excede e não se esgota na razão humana. Assim, a metafísica não foi para este autor a "lógica das aparências" kantiana, mas o mistério primordial, a revelação fugidia da unidade donde tudo proveio e à qual tudo deverá reverter. Partindo da positividade para a metafísica, a filosofia de Bruno parece culminar na profecia escatológica, sendo O Encoberto o remate de A Ideia de Deus. Essencialmente heterodoxo, separa-se tanto da teologia ortodoxa como da metafísica clássica, numa teurgia ou teosofia profética, e filosofia da história messiânica e escatológica.
Tímido e solitário, José Pereira Sampaio parece um Sísifo absurdo na nossa história do pensamento. Nostálgico do possível, vive agrilhoado à necessidade e ao mal, sonhando com o bem, a liberdade e a paz, num futuro escatológico marcado pela unidade e totalidade. A fenomenologia do mal e do tempo desemboca, então, numa escatologia da verdade e da paz, fundando na profecia os seus ideais políticos, tão complexos quão desinteressados.
Pensador crepuscular, no seu verbo escuro e sintaxe confusa Sampaio Bruno Sampaio Bruno excedeu-se em erudição, da história à literatura, da filosofia à sociologia, da matemática à música e à metafísica, acabando por se perder, conscientemente, nas névoas de um pensar esotérico, sobretudo a partir do exílio, debruçando-se sobre a nossa tradição céltica, influências templárias e outras manifestações iniciáticas mais recentes como a maçonaria. Desajustado à humana condição, Bruno parece mover-se, preferencialmente, na utopia e na ucronia, daí a valorização das fontes místico-esotéricas na sua inspiração filosófica e política, residindo o mistério do seu heterologos, mais nos escritos herméticos, predominantemente neoplatônicos, gnósticos e judaico-maçônicos, do que nas filosofias clássicas ortodoxas.
Tocado pelo paradigma positivista e cientificista, Sampaio Bruno Sampaio Bruno jamais soube renunciar ao fascínio do irracionalismo hermético que parecia ressurgir nos filósofos, poetas e místicos do século XIX, de Goethe Goethe Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) a Novalis, ao qual os próprios positivistas mais ortodoxos parecem não ter sido completamente indiferentes na liturgia da sua religião da razão. Para o autor portuense, o conhecimento é um misto de revelação e razão, uma revelação raciocinada ou misticismo filosofante, talvez porque a pura razão é incompatível com o mistério do ser, assumindo-se o conhecimento hermético, ao longo da sua obra, como um conhecimento possível e profundo. A verdade parece identificar-se com o não dito, ou com aquilo que é dito de modo obscuro e enigmático, pelo que deve ser procurada sob a superfície dos textos. O ser fala através de mensagens cifradas, metáforas poéticas e hieróglifos sófico-proféticos, razão pela qual uma hermenêutica esotérica acabará por absorvê-lo nos últimos escritos. Em obras póstumas como Os cavaleiros do amor e Teoria nova da antiguidade, José Pereira Sampaio, seguindo os chamados adepti dei velame, como Rossetti e Aroux, acabará por enlear-se num círculo hermenêutico fechado, envolvendo Dante Dante Dante, Alighieri (1265-1321) e a tradição hermética portuguesa, na sua linhagem maçônica, rosacruciana e templária, numa espécie de semiose hermética ilimitada (Cf. Eco, Humberto e outros. Interpretação e sobreinterpretação. Lisboa. Presença, 1993), como a entende Humberto Eco, cujos riscos de uma sobreinterpretação inverossímil são eminentes.
Do racionalismo deísta ao positivismo, da metafísica à escatologia, o percurso heterodoxo de Bruno parece culminar num hermetismo e esoterismo hermenêutico que o inserem na plêiade dos anti-heróis da cultura lusitana, nos antípodas das ortodoxias confessionais, mais próximo da nossa tradição templária e joanina. Historiador esotérico do esoterismo, ousa iniciar o desvelamento dos subterrâneos da portugalidade, a sua história mais secreta e obscura. Em trânsito entre o sófico e o místico, a razão e a revelação, Bruno parece, então, trilhar um percurso desconexo e sinuoso, do outro lado da história. Mas, por mais que os labirintos da metafísica e as névoas esotéricas o fascinem, a realidade existencial e a positividade metódica marcam-no ainda e sempre, fundindo-se iniciação e demonstração, profecia e teoremas numa "religião da razão" em que "a fé emergirá do cálculo", "os santos são sábios", e "o martírio será inútil" (Sampaio Bruno Sampaio Bruno . A Ideia de Deus. Porto, Lello & Irmão, 1987. p. 358-359).
Apesar do seu percurso nebuloso e prospectivismo messiânico, o autor portuense consegue traçar os destinos da pátria e da humanidade futura com um realismo historiográfico e filosofia da história ímpares para a sua época. Prospectivista, na história, ou na sofia profética, parte sempre do presente para o futuro, só depois procura entender os fatos passados. Por isso, recusa os modelos positivistas rígidos, por mais fiel que se pretenda à positividade epistêmica.
Porque a história científica é uma ilusão de Augusto Comte, já que a verdadeira história é a história do futuro, sendo as leis positivas sempre de menos para medir aquilo que é demais. O mar largo do futuro, como diz Joel Serrão, parece ter sido sempre o único reino pelo qual o encoberto Bruno lutou até ao fim.
Perdido nos labirintos da sofia razoada, Sampaio Bruno Sampaio Bruno deixa-se escorregar pela profecia e pelo mistério no seu heterologos rebelde; atitude típica do século XIX em geral, e dum pensamento de logos íngreme e assistemático, como o português. Parece-nos mesmo ser um dos primeiros autores consciente da força deste pensar na sua sofia-profética, sem cair na metáfora dos poetas, na irrealidade pura do real, nem no visionarismo radical de certos profetas. Como ninguém, Bruno articulou positividade e metafísica, razão e revelação, sofia e profecia, na força lúcida de nos pensar- e compreender, na diferença de um heterologos precursor.

