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La Grande beuverie

René Daumal – Diálogo laborioso sobre o poder das palavras (3)

Dialogue laborieux sur la puissance des mots et la faiblesse de la pensée III

terça-feira 1º de julho de 2025

Num certo momento, o mau humor atingiu seu ápice e creio lembrar que alguns de nós combinamos, com ferramentas imprecisas, bater nos valentões que roncavam nos cantos. Passou-se um tempo interminável, após o qual os valentões voltaram, carregando barris sobre suas equimoses. Quando os barris foram esvaziados, pôde-se finalmente sentar sobre eles, ou ao lado, mas enfim estávamos sentados, prontos para beber e ouvir, pois havia sido mencionado torneios oratórios ou algum divertimento desse tipo. Tudo isso permanece bastante nebuloso na memória.

Sem direção, éramos levados ao sabor das palavras, das lembranças, das manias, das mágoas e das simpatias. Sem um objetivo, perdíamos a pouca força de nossos pensamentos em encadear trocadilhos, falar mal dos amigos comuns, fugir de constatações desagradáveis, montar em cavalinhos de pau, arrombar portas abertas, fazer caretas e graças.

O calor e a fumaça espessa nos davam uma sede insaciável. Era preciso revezar-se sem parar para ir bater nos valentões, que agora traziam garrafões, toneis, jarros, baldes, tudo cheio do tipo de infusão que se imagina.

Num canto, um camarada pintor explicava a um amigo fotógrafo seu projeto de pintar belas maçãs, esmagá-las, destilá-las, "e você tem uma calvados espetacular, meu velho", dizia. O fotógrafo resmungava que "isso beirava o idealismo", mas isso não o impedia de brindar com vigor. O jovem Amédée Gocourt queixava-se da falta de bebida porque, dizia, os bolos de chocolate que devorava lhe haviam "aveludado o tubo de descida e atolado o estômago". Marcellin, o anarquista, lamentava que "se nos deixassem morrer de sede de maneira tão escandalosa, não se via realmente diferença com o papado", mas ninguém entendia o sentido de suas palavras.

Quanto a mim, estava muito mal sentado sobre um porta-garrafas, o que me dava aparência de profunda meditação, quando na verdade estava simplesmente abrutalhado, o teto baixo, muito baixo, a viseira do intelecto abaixada até os sedimentos do humor.

Não apresentarei os personagens que lá estavam. Não é deles, nem de seus caracteres, nem de suas ações que desejo falar. Estavam lá como figurantes de sonho que tentavam, às vezes sinceramente, despertar: todos bons camaradas, cada um sonhando os outros. Tudo o que quero dizer agora é que estávamos bêbados e com sede. E éramos muitos a estarmos sós.

Foi Gonzague, o Araucano, quem teve a infeliz ideia de pedir música. O golpe, aliás, era premeditado, pois todos haviam notado que ele trouxera um violão novo. Não se fez portanto de rogado para começar. Foi horrível. Os sons que extraía do instrumento eram tão perversamente desafinados, tão obstinadamente estalados, que as caldeiras começaram a dançar sobre o cimento, os castiçais de cobre a deslizar com risadas atrozes sobre o estuque das lareiras, as panelas a balançar suas barrigas contra as paredes que se esboroavam, e os rebocos nos caíam nos olhos, e as aranhas despencavam do teto com gritos, direto na sopa, e isso nos dava sede, e isso nos enchia de fúria...

Então a figura por trás dos feixes mostrou a ponta de uma orelha, depois da outra, depois um nariz, depois um queixo glabro, depois uma barba, depois uma calvície, depois uma cabeleira volumosa, pois era muito mutável; simples truques de prestidigitação e maquiagem instantânea. Diziam que sem essa mascarada nem sequer teria sido notado, pois, acreditava-se, tinha "uma cara como todo mundo". Talvez naquele momento tivesse ares de lenhador ou de árvore, um cavanhaque de bode e olhos de elefante, mas não juraria. Disse, calmamente, algo como:

— Granito, grés. Grés, granito. Gris, grená. Grama – (uma pausa) – Aconito!

Com a última sílaba (já havia bebido o suficiente para achar isso perfeitamente natural) o violão voou em estilhaços entre as mãos de Gonzague. Uma das cordas chicoteou seu lábio superior. Deixou algumas gotas de sangue caírem no dorso da mão. Depois esvaziou o copo. Depois anotou em seu caderninho os rudimentos de um poema extraordinário que seria plagiado no dia seguinte e traído em todas as línguas por duzentos e doze poetas menores, de onde saíram tantos movimentos artísticos de vanguarda, de onde vinte e sete brigas históricas, três revoluções políticas numa fazenda mexicana, sete guerras sangrentas no Paropamiso, uma fome em Gibraltar, um vulcão no Gabão (nunca se vira tal coisa), um ditador em Mônaco e uma glória quase duradoura para os minus habentes.


Ver online : DAUMAL, René. La grande beuverie. Éd. nouvelle ed. Paris: Gallimard, 1994


DAUMAL, René. La grande beuverie. Éd. nouvelle ed. Paris: Gallimard, 1994.