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A ciência dos símbolos

René Alleau – Origem e Semântica da Palavra «Símbolo»

Contribuição ao estudo dos princípios e dos métodos da simbólica geral

A DISPERSÃO SÉMICA E AS CONFUSÕES HISTÓRICAS E ENCICLOPÉDICAS DO TERMO
  • A análise da evolução semântica do vocábulo símbolo revela uma profunda dispersão de sentidos através dos tempos, exemplificada de maneira notável pelo Dictionnaire universel de Trévoux, que, ao definir o termo como um sinal ou emblema representativo de algo moral por meio de imagens naturais, como o leão para o valor ou o pelicano para o amor paternal, acaba por confundi-lo com a alegoria e até mesmo com os hieróglifos de Jean-Pierre Valerian, estendendo essa imprecisão à classificação de fábulas e medalhas comemorativas, ao mesmo tempo que, no contexto religioso, restringe o conceito aos sinais exteriores dos sacramentos e aos formulários de fé cristãos.

  • A Encyclopaedia Britannica de 1771 e a Encyclopédie de Diderot e d’Alembert perpetuam e consolidam essa assimilação do símbolo à alegoria característica do século XVIII, definindo-o como uma representação de realidades morais pelas propriedades de coisas naturais, uma confusão conceptual que remonta aos retóricos do século XVI e que influenciaria decisivamente a antropologia de Kant ao reduzir o simbolismo a uma hipotipose, provocando posteriormente a reação do romantismo que, de forma exagerada, opôs a alegoria desvalorizada ao símbolo considerado como portador exclusivo de sentidos profundos.

  • As definições enciclopédicas do Iluminismo associam o símbolo ao mistério, sugerindo que os segredos da religião antiga eram ocultos sob tipos e figuras para incitar a veneração dos povos através da obscuridade, uma perspectiva que, no suplemento da Encyclopédie referente aos Pedreiros-livres, evolui para uma interpretação histórica utilitária e críptica, onde os símbolos são vistos como sinais de reconhecimento derivados dos mistérios de Ceres ou das senhas militares utilizadas pelos cavaleiros cristãos para comunicarem secretamente entre si durante as Cruzadas, apoiando-se numa etimologia fantasiosa que liga a palavra mistério a raízes hebraicas de ocultação.

A ETIMOLOGIA LATINA E GREGA: DO CONTRATO JURÍDICO À DINÂMICA DO ENCONTRO
  • O exame das fontes latinas através do Glossarium de Du Cange demonstra que symbola designava originalmente o cibório eucarístico ou a refeição pública (agapai), enquanto symbolum referia-se à súmula da fé católica entendida como uma colação das contribuições individuais dos Apóstolos, tangenciando apenas acessoriamente o sentido militar de insígnia ou estandarte, o que se revela insuficiente para esclarecer a complexidade do termo sem o recurso às suas raízes helênicas.

  • A etimologia grega do verbo sumbállein desvela um sentido primordialmente topológico e dinâmico, designando o encontro das águas que correm juntas ou a união técnica das duas metades de uma verga naval, evidenciando que o núcleo semântico reside no movimento de reunir elementos anteriormente separados, conceito que evoluiu para a esfera jurídica onde o sumbolaion designava a prova material de um contrato ou contestação válida, estabelecendo uma dualidade intrínseca entre o ato dinâmico de reunir e o resultado estático e efetuado dessa união.

  • É imperativo distinguir o aspecto sintemático do sumbolon, entendido como um sinal de reconhecimento convencional e mnemotécnico — exemplificado pelo objeto partido cujas metades se juntam para provar laços de hospitalidade ou pelas senhas judiciais atenienses —, do aspecto propriamente simbólico que transcende a convenção social para designar a reunião de sujeitos em torno de um sinal de crença ou valor sagrado, operando não como um contrato profano, mas como uma aliança com potências numinosas, tal como as insígnias militares e estandartes (o labarum ou a auriflama) que eram considerados portadores de uma presença real e de um poder mágico capaz de assegurar a vitória.

A CRÍTICA À SEMIOLOGIA LINGUÍSTICA E AO ESTRUTURALISMO
  • As definições clássicas de símbolo apresentadas por Lalande ou a abordagem semiológica de Ferdinand de Saussure, que concebe a língua como um sistema de signos arbitrários unindo conceito e imagem acústica, mostram-se insuficientes para dar conta da natureza do símbolo, visto que o próprio Saussure reconheceu que o símbolo, diferentemente do signo linguístico, jamais é completamente arbitrário e mantém sempre um rudimento de laço natural ou racional entre o significante e o significado, como a balança que representa a justiça e não poderia ser substituída arbitrariamente por um carro.

  • A tentativa da antropologia estrutural, representada por Claude Lévi-Strauss, de integrar os símbolos nos sistemas de parentesco, economia e mito como se fossem elementos de uma linguagem sociocultural sujeita a decifração, incorre no risco de reduzir o mythos ao logos, repetindo o movimento histórico de dessacralização iniciado na Grécia por Xenófanes e continuado por Evémero e pelos oradores alexandrinos; embora a análise estrutural seja válida para descrever o funcionamento lógico ou o dispositivo dos mitos, ela falha em explicar a sua gênese existencial e a sua orientação intencional para o não-humano.

  • Diante da imprecisão terminológica que leva lógicos e matemáticos a falarem indevidamente em lógica simbólica quando tratam de convenções puras, propõe-se a adoção do termo sintema (do grego synthema, ligar em conjunto) para designar especificamente todo sinal arbitrário cujo sentido unívoco é fixado voluntariamente por uma convenção explícita entre as partes, distinguindo-o radicalmente do símbolo que, conforme observa Jean Piaget, pressupõe um laço de semelhança motivado e pode ser elaborado individualmente antes de ser socializado, o que exige a separação metodológica entre a linguística, a sintemática e a simbólica geral.

A ORIGEM NÃO-HUMANA E A CONDUTA DE INTENÇÃO NOS RITUAIS ARCAICOS
  • Nas sociedades tradicionais e primitivas, prevalece a convicção fundamental de que os símbolos e rituais possuem uma origem não-humana, derivando de seres divinos ou antepassados míticos, e que a sua função não é representar alegoricamente o mundo através de um discurso conceptual, mas reatualizar dinamicamente uma ordem primordial e trans-histórica, permitindo que a imitação dos gestos exemplares dos deuses transforme o caos em cosmos e aniquile as dúvidas humanas quanto ao resultado das ações.

  • A comunicação simbólica arcaica aproxima-se mais dos fenômenos etológicos de comunicação animal — como a dança das abelhas ou a linguagem de humor das gralhas descrita por Lorenz, Tinbergen e Armstrong — do que do discurso racional humano, pois envolve uma estimulação progressiva e uma tensão coletiva orientada para a ação e para a unanimidade, onde o símbolo atua como um vetor de orientação analógica e um campo de magnetização que acumula imagens e cargas afetivas, confirmando a intuição de Jâmblico de que a alma é constituída para entender simbolicamente o que lhe é apresentado de forma simbólica.

  • O simbolismo opera através da lógica da analogia e da participação, caracterizada pelo arcaísmo concreto e pela organização temática inconsciente, capaz de projetar cargas emocionais sobre os objetos da experiência existencial e de ligar o humano não apenas ao supra-humano, mas também ao infra-humano, através de rituais mágicos que buscam a apropriação de poderes vitais e que podem envolver a violação de interditos e a assimilação de comportamentos animais, como nas sociedades de homens-pantera, sem que isso exclua a experiência do Sagrado enquanto o Totalmente Outro.

  • A experiência do numinoso, conforme analisada por Rudolf Otto, revela que a abertura ao não-humano através do símbolo não é uma harmonia bucólica, mas envolve frequentemente um terror místico (mysterium tremendum) e um aspecto espectral santificante (hiq’dich, emath Jahveh, sebastos) que paralisa o homem com um horror que nenhuma ameaça natural poderia inspirar, indicando que a função simbólica é inseparável de uma orientação hierofânica que transcende as estruturas de troca social e econômica.

O TOTEMISMO: DISTINÇÕES FUNCIONAIS E A CATEGORIA DO SONHO
  • A análise do totemismo australiano por A. P. Elkin exige a distinção rigorosa entre o totemismo social, que regula as relações humanas e a descendência matrilinear (a carne), e o totemismo cultual, que é local, patrilinear e secreto, encarregado da preservação da mitologia e dos rituais, evitando as confusões comuns entre etnólogos que não percebem que o totemismo sexual é uma variedade do social que simboliza a solidariedade quase biológica entre membros do mesmo sexo.

  • O totemismo cultual revela uma dimensão topológica sagrada onde a geografia é concebida como o rastro físico das façanhas dos heróis míticos, cujos itinerários criaram os caminhos e depositaram os espíritos das espécies naturais em locais específicos, exigindo que os rituais sejam realizados nesses exatos lugares para garantir a manutenção da vida, criando uma rede de caminhos culturais que permitem a circulação de iniciados através de territórios tribais hostis.

  • A sobreposição totêmica, onde um único indivíduo acumula múltiplos totens (cultual, social, sexual, onírico), aponta para a polivalência essencial do símbolo e para a centralidade da categoria do Tempo do Sonho (Alcheringa, Altjira, Ularaga), que não deve ser confundido com o imaginário ou o fictício da lógica ocidental, mas compreendido como uma realidade eterna e substancialmente presente nos objetos sagrados (tjurunga) e acessível através de estados de consciência intensa.

  • A experiência do "Sonho" pelos aborígenes não corresponde a um enfraquecimento da realidade, mas a uma intensificação da percepção que permite o acesso a faculdades paranormais como a telepatia e a vidência, confirmadas por observadores ocidentais, onde o símbolo atua como o meio de reconduzir os dados concretos da existência à sua unidade primordial e irradiante, permitindo ao homem da visão perceber o universo no seu estado nascente, diferentemente do universo cristalizado do homem do pensamento lógico.

A SEMIOLOGIA PSICANALÍTICA E A NECESSIDADE DA PLURALIDADE HERMENÊUTICA
  • No campo da psicologia profunda, Carl Gustav Jung estabelece uma distinção crucial ao insistir que os símbolos oníricos não devem ser tratados semioticamente como sinais ou sintomas com significados fixos, mas como expressões de conteúdos que o consciente ainda não apreendeu conceitualmente e que mantêm uma indeterminação essencial, opondo-se à tendência de certos freudianos de reduzir os símbolos a alegorias sexuais fixas, visto que até mesmo o falo, em contextos rituais e psíquicos, é símbolo de um conteúdo vital desconhecido e não apenas do órgão anatômico.

  • A prudência metodológica do próprio Freud em Totem e Tabu, ao reconhecer que a psicanálise não poderia explicar isoladamente a complexidade da religião nem reduzir suas origens a uma única fonte, reforça a conclusão de que todas as hermenêuticas, sejam elas linguísticas, estruturalistas ou psicanalíticas, são simultaneamente necessárias e insuficientes, exigindo do pesquisador da simbólica geral uma postura transdisciplinar, uma tolerância epistemológica e uma capacidade de autocrítica para não mutilar a polivalência dos fenômenos simbólicos através de reducionismos dogmáticos ou projeções de sistemas ideológicos modernos sobre realidades arcaicas.


Ver online : René Alleau


ALLEAU, René. A ciência dos símbolos: contribuição ao estudo dos princípios e dos métodos da simbólica geral. Isabel Braga. Lisboa: Edições 70, 1982.