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A ciência dos símbolos

René Alleau – A Lógica da Analogia

A Analogia

Definição Fundamental e Distinções Históricas da Analogia
  • Harald Höffding estabeleceu uma definição precisa de analogia caracterizando-a como uma semelhança de relações entre dois objetos, a qual não se fundamenta nas propriedades particulares ou nas partes constituintes desses objetos, mas sim nas relações recíprocas existentes entre essas propriedades ou partes, delineando assim um campo de conexão que transcende a materialidade imediata dos elementos comparados.
  • Aristoteles, em suas investigações, já operava uma distinção entre uma analogia quantitativa, denominada isotes logon, que constitui a proporcionalidade no sentido rigoroso do termo, e uma analogia qualitativa, observável, por exemplo, entre figuras geométricas ou estruturas biológicas de seres distintos, embora no Tratado das Categorias o estagirita não tenha analisado expressamente os análogos, limitando-se aos parônimos ou denominativa, como a derivação de corajoso a partir de coragem.
  • Coube aos escolásticos o aperfeiçoamento teórico da analogia da proporcionalidade em justaposição à analogia de atribuição ou de proporção, sendo esta última a utilizada por Aristoteles em seu estudo metafísico do ser, consolidando a compreensão de que o termo análogo é aquele que convém a diversos sujeitos sob uma perspectiva que é, simultaneamente, parcialmente idêntica e parcialmente diferente.
  • Na analogia de atribuição, cuja formulação mais explícita remonta a Aristoteles, a unidade conceitual é estabelecida pela ligação de diversos termos analogados a um único termo referencial denominado analogado principal, de modo que o termo análogo de atribuição convém a diversos em ordem a este único referente central.
  • Diferentemente, na analogia de proporcionalidade não subsiste um analogado principal, mas emergem proporções mútuas ou relações que engendram a unidade entre os analogados, como exemplificado na relação entre a visão e o olho comparada à relação entre a intelecção e a inteligência, onde a intelecção é para a inteligência o que a visão sensível é para os olhos, permitindo que todos os termos sejam representados por um conceito único, ainda que imperfeitamente unificado e sem o rigor matemático do sinal de igualdade.
  • É imperativo distinguir ainda entre a analogia própria, na qual a razão significada pelo termo encontra-se formalmente presente em cada um dos analogados, e a analogia metafórica ou imprópria, na qual a razão convém propriamente apenas a um dos analogados, estendendo-se aos outros somente através de uma construção intelectual, como quando se atribui o riso a uma paisagem, predicado que pertence verdadeiramente apenas ao ser humano.
A Analogia em Contraste com a Lógica da Identidade
  • A analogia desempenha um papel de processo exploratório e unificador, intervindo sempre que se busca unificar objetos ou domínios heterogêneos através de uma semelhança de relações, evidenciando perspectivas de conjunto e harmonias reguladoras que a lógica estrita da identidade não permite, por si só, pressentir ou investigar.
  • Harald Höffding, divergindo de Aristoteles e Kant que não incluíram a analogia entre as categorias fundamentais do entendimento, posiciona-se como o primeiro filósofo moderno a introduzir o conceito de analogia nas categorias formais, imediatamente após o conceito de identidade, demonstrando que a analogia fundamenta a redução das relações de qualidade e intervém na evolução dos conceitos de número, grau, tempo e lugar.
  • A identidade absoluta, expressa na fórmula A é A, constitui uma abstração puramente ideal e experimentalmente inexistente no mundo empírico, pertencendo a um mundo formal de abstrações lógicas e matemáticas que, sendo tautológico, assenta no princípio de que o mesmo, ou tautos, postula idealmente a igualdade absoluta com o uno em todas as relações racionalmente coerentes.
  • O pensamento ocidental, desde Platão, tende a assimilar o Uno ao idêntico sempre igual a si próprio, criando uma obsessão pela identidade absoluta e reduzindo o raciocínio por analogia a uma forma de pensamento falso ou inferior, indigno das categorias do entendimento ou relegado a mero processo estético ou psicológico.
  • Contudo, o problema fundamental da analogia reside na experiência concreta da multiplicidade dos significados do ser, onde o processo analógico explora semelhanças de relações sem poder provar logicamente identidades absolutas, reconhecendo que qualquer experiência e conceito possuem um sentido em função de um excedente experimental e conceptual que a lógica da identidade é incapaz de esgotar.
O Processo Analógico, a Ciência e a Interpretação
  • O processo analógico estimula a pesquisa e transfere ordens descobertas de um sistema para outro, como demonstrado historicamente pela analogia de Galileu entre Júpiter e o sistema solar, ou o modelo atômico análogo ao sistema solar, que, mesmo se revelando posteriormente imprecisos, foram cruciais para a compreensão fenomenológica.
  • Existe um perigo inerente ao raciocínio analógico de diluir a singularidade do objeto particular em uma sistematização artificial que valoriza apenas as semelhanças, devendo-se ressaltar que a analogia não constitui uma prova da verdade em si, mas age como um vetor de orientação do espírito humano que necessita de crítica permanente.
  • É crucial não confundir analogia com homologia, visto que a primeira se baseia na concordância de funções e a segunda na concordância de estruturas; assim, pulmões de mamíferos e brânquias de peixes apresentam analogias fisiológicas, enquanto as bexigas natatórias dos peixes e os pulmões dos mamíferos são anatomicamente homólogos, embora não análogos.
  • Emile Meyerson e Leon Brunschwig exemplificam o conflito filosófico perene entre a lógica da identidade e a lógica da analogia, sendo que a identidade permanece o princípio metódico mais eficaz para a previsão científica, enquanto a analogia age por unificação, observação e antecipação, frequentemente extraindo conclusões exatas de premissas falsas ou hipóteses provisórias.
  • Nas analogias inconscientes e involuntárias, processos psíquicos como a intuição e a memória apresentam totalidades que a análise posterior tenta resolver em partes, muitas vezes deformando o dado original, o que leva Höffding a notar que expressões como conclusões inconscientes são impróprias, tratando-se antes de transições concebidas analogicamente.
  • O pensamento primitivo opera com uma lógica rigorosa a partir de bases de interpretação diferentes, onde a imagem não é apenas como o objeto, mas é o próprio objeto, uma identidade de participação que o observador moderno considera pré-lógica apenas por divergir de sua própria base lógica de interpretação, a qual também raramente é submetida à crítica consciente.
  • A aptidão para experiências analógicas imediatas é observável no comportamento infantil, onde a continuidade de uma situação prazerosa é mantida através de substituições analógicas, como o uso de uma boneca para continuar um jogo interrompido, demonstrando uma coerência interna do desejo que transcende a mudança das formas exteriores.
O Simbolismo e o Conhecimento do Excedente Experimental
  • Para compreender a função do simbolismo diante de um excedente experimental e conceptual inacessível diretamente, pode-se recorrer à parábola de explicar a existência de nuvens a peixes racionais; a verdade direta seria inconcebível para seres confinados ao meio aquático, exigindo o uso de uma lógica da analogia e não da identidade.
  • Na impossibilidade de comunicação direta, recorre-se a meios indiretos como alegorias ou símbolos, utilizando elementos conhecidos, como as manchas leitosas da desova, para metaforizar a chuva, demonstrando que a analogia das semelhanças encontra sua forma mais perfeita na imitação de um tipo e na participação pessoal na experiência desse modelo.
  • O símbolo tipológico, como a figura do peixe-voador na referida parábola, atua como um esquema dinâmico situado entre dois meios, permitindo entrever aquilo que o saber estrito não atinge, tornando indissociáveis o símbolo, o mito e o ritual no processo de conhecimento.
  • A unificação analógica permanece necessariamente incompleta e aberta ao jogo recíproco das partes e das relações não fixas, integrando o processo dinâmico da analogia no interior do processo dialético, uma vez que a identificação total anularia a própria natureza da relação analógica.
A Analogia na Economia dos Sinais, Mercadorias e Justiça
  • A definição de analogia de Höffding aplica-se à economia das mercadorias e à simbólica geral, pois ambas se reportam ao processo universal de trocas onde se exclui o valor de uso (propriedades particulares) para reter apenas o valor de troca baseado em relações recíprocas.
  • A análise marxista, buscando a substância social das mercadorias, elimina as qualidades naturais e o valor de uso para identificar o trabalho como a única qualidade objetiva comum, uma cristalização do trabalho humano, embora a expressão valor de trabalho seja considerada por Marx tão irracional quanto valor da terra, necessitando do conceito de força de trabalho.
  • Surpreendentemente, a teoria marxista aproxima-se da escolástica medieval de Alberto Magno e Tomás de Aquino, que fundamentaram a teoria do preço justo na analogia da proporcionalidade aristotélica (isotes logon) e na reciprocidade proporcional (contrapassum), onde a troca deve refletir uma igualdade de indigência ou necessidade entre as partes.
  • Alberto Magno e Tomás de Aquino utilizavam figuras de proporcionalidade para determinar a justiça comutativa, estabelecendo que a relação entre os produtos trocados (como uma casa e sapatos) deve ser proporcional ao trabalho e às despesas implicadas na produção de cada um, antecipando a noção de valor baseada no trabalho e custos de produção.
  • Tanto a análise marxista quanto a escolástica falham ao eliminar o elemento irracional e não mensurável das relações econômicas, ignorando que o valor de troca não é um dado inicial, mas depende da determinação subjetiva do valor de uso, da escassez e do desejo, como comprovado pelas oscilações de preços em leilões baseadas em rumores ou na falta de interesse.
  • A ordem axiológica e a validade dos símbolos dependem do desejo de comunicação e da vida psicológica dos indivíduos; símbolos de religiões mortas perdem seu valor de troca comunicativa quando cessa o desejo de utilizá-los, assim como o trabalho perde sentido se dissociado da vocação pessoal e da qualidade diferenciada do esforço individual.
  • Torna-se necessário complementar a analogia quantitativa da economia formalizada com uma analogia qualitativa e simbólica que restitua a realidade concreta e universal dos desejos individuais, os quais são alienados pela generalização abusiva dos conceitos racionais de troca.
Classificação Operacional dos Símbolos
  • É possível estabelecer uma classificação coerente dos sinais da semelhança distinguindo três operações fundamentais do processo analógico: a reunião arbitrária de significado e significante (simbolismo sintemático), a união sem determinação prévia explícita (simbolismo metafórico ou alegórico) e a reunião baseada em um significador típico (simbolismo anafórico ou tipológico).
  • No simbolismo sintemático, a relação é convencional e unívoca, não se fundamentando em analogias naturais ou internas, mas em analogias externas e artificiais, categoria na qual se enquadram os sinais da lógica formalizada e do cálculo dito simbólico, que são mais propriamente sintemas do que símbolos verdadeiros.
  • O caráter dinâmico da analogia e do simbolismo manifesta-se plenamente apenas na metáfora continuada, que constitui a alegoria, e na intervenção do tipo significador na anáfora, onde a semelhança não é arbitrária, mas baseada em modelos de participação ativa ou marcas passivas.

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ALLEAU, René. A ciência dos símbolos: contribuição ao estudo dos princípios e dos métodos da simbólica geral. Isabel Braga. Lisboa: Edições 70, 1982.