Página inicial > Crítica Literária > Problema do assassinato em Dostoiévski (Abellio)
Problema do assassinato em Dostoiévski (Abellio)
sábado 19 de abril de 2025
AbellioANG
Quando se fala do problema do assassinato em Dostoiévski, é preciso sempre se referir aos diálogos de Aliocha e Ivan Karamázov, onde esses limites da moral são manifestos, mas onde o conhecimento, por sua parte, não aparece. À pureza bíblica de Aliocha, sabe-se que Ivan Karamázov opõe perguntas sem piedade. Para tornar o conjunto dos homens definitivamente felizes, Aliocha aceitaria, se lhe oferecessem essa troca, ver torturar uma criança? Uma só criança contra toda a humanidade, e para sempre? Não, Aliocha não aceita. Uma só vida é tão sagrada quanto o conjunto das vidas. É verdade que Aliocha crê de qualquer modo na vinda da idade de ouro. Mas Ivan Karamázov insiste e conta a Aliocha a história verdadeira desse general na reserva, rico proprietário de terras, que fez um dia despedaçar por sua matilha, diante dos olhos da mãe, um pequeno criado culpado de ter, brincando, ferido na pata, com uma pedrada, o cão favorito de seu amo:
"Os cães puseram a criança em pedaços diante dos olhos de sua mãe. O general, ao que parece, foi posto sob tutela. Pois bem, o que ele merecia? Era preciso fuzilá-lo? Fala, Aliocha.
— Certamente, proferiu baixinho Aliocha, todo pálido, com um sorriso convulsivo.
— Bravo! exclamou Ivan encantado... Se tu o dizes, tu... Vê-se logo, o asceta! Tens portanto também um diabrete no coração, Aliocha Karamázov?
— Disse uma tolice, mas...
— Sim, mas... Sabe, noviço, que as tolices são necessárias ao mundo."
Sob o golpe da indignação, Aliocha, o santo, acaba de admitir uma derrogação à regra sagrada: "Não matarás", e essa derrogação destrói a regra. Ele se recompõe, mas é tarde demais, e Ivan Karamázov aproveita. Nesse gênero de discussões e oposições, enquanto o europeu buscaria um compromisso razoável, o espírito russo sistematiza e alcança a loucura. Toda a sua vida, o próprio Dostoiévski, torturado por essa contradição "lógica" de um Deus que permitia a existência do mal, não encontrou socorro senão numa fé ingênua, que saltava o obstáculo, mas, no fundo de si mesmo, ele fazia do mal um absoluto, não relativizava o mal. Sabe-se que toda a sua vida, ele se sentiu culpado de um "crime" que nunca confessou senão pela metade (exceto talvez a Polina) e que era talvez imaginário. Como todos aqueles que só concebem Deus sob o aspecto de um legislador rigoroso impondo aos homens regras incompreensíveis, é fatal que Dostoiévski e seus heróis sejam dilacerados entre um amor incondicional por Cristo (um Cristo sofredor, que redime o mal), e a tentação de um ateísmo que proclama a morte de Deus para que "tudo seja permitido". E se a verdade estivesse alhures, não longe de Deus mas longe das regras? Não se pode conceber um outro Deus que não impõe nada mas cuja presença permanente em nós relativiza tudo o que não é ele, as regras, as morais, os eventos, nossa própria vida, de modo que, quando atingimos no fundo de nós mesmos essa presença, a unidade se faz, os problemas se esvaem, a própria noção de mal se apaga, a paz se estabelece? É essa presença em nós que se chama conhecimento. É ela que é a "grande ideia" inefável pressentida por Versílov. Santo Agostinho a chama "amor" e, invertendo o aforismo dos ateus moralistas: "Deus está morto, tudo é permitido", ele declara: "Ama, e faze o que quiseres." Ama, e tudo é permitido, o que não quer dizer que tudo é factível. É ainda Mestre Eckhart, o grande dominicano, que deu a melhor fórmula dessa difícil liberdade: "Não são nossos atos que nos santificam, somos nós que santificamos nossos atos."

