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Paul Arnold – Nota à "Tragédia de Cymbeline" de Shakespeare
quinta-feira 27 de novembro de 2025
As Bodas Químicas de Andreæ talvez nos sugiram algumas das razões que guiaram o poeta, ou pelo menos uma alegoria comparável àquela que deve tê-lo inspirado. O episódio ao qual me refiro ocorre no dia seguinte à “pesagem” dos eleitos e na véspera do falso funeral, do qual a elegia de Fênix e do Turterão talvez seja outra versão. Os eleitos que passaram com sucesso pela prova da pesagem são admitidos na sala dos reis, na presença do casal real, para cujo casamento foram convidados pela jovem ou virgo lucifera. Depois de prestarem juramento de fidelidade e levantarem a taça do silêncio, é apresentado diante deles um espetáculo teatral em sete atos. Esse drama simbólico nos descreve o rapto da jovem princesa, filha do rei branco, pelo rei dos mouros (símbolo tradicional do diabo). Uma luta sem piedade se inicia entre o rei branco e o rei negro pela libertação da princesa, acusada de ter sido amante do segundo. Mas, em um duelo, o jovem rei branco, noivo da princesa, mata o mouro, libertando assim a princesa, e os dois, levados em triunfo, se preparam para o casamento. A peça termina com uma procissão e este canto:
“O tempo nos traz grande conforto — com o casamento do rei... (A noiva) ficou sob custódia por tempo suficiente. Multipliquem-se com honra, para que milhares (de seres) saiam do seu próprio sangue.”
Após este canto, que nos remete ao mistério da união entre a mulher e o dragão, a sala é coberta com um pano preto. Os seis reis e rainhas são vendados. Um mouro — é o da Comédia, pensa Rosencreutz — vestido de preto, entra carregando um machado afiado e, com um gesto rápido, decapita sucessivamente os seis monarcas, cujos restos mortais estão deitados em caixões, como sabemos. O mouro sai imediatamente da sala, mas um cortesão o segue, decapita-o à sua vez diante da porta e traz a cabeça, que é envolvida em um pano. É essa cabeça que servirá, juntamente com os corpos dos príncipes, para a fabricação do ovo e a ressurreição do casal real durante a grande obra.
É evidente que esta alegoria não é idêntica à da morte de Cloten. No entanto, nela se reúnem os principais elementos da cena shakespeariana: a decapitação do impuro, o seu acasalamento com a princesa, noiva do príncipe branco, que finalmente reencontrará a jovem mulher com o objetivo de perpetuar a raça dos justos.
ARNOLD, Paul. Ésotérisme de Shakespeare. Paris: Mercure de France, 1955.
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