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Grupo UR – O caminho do despertar segundo Gustavo Meyrink (2)

sábado 24 de maio de 2025

UKIM

Quem não aprende a ver na terra, não aprende lá de certo.

A chave do poder sobre a natureza inferior está enferrujada desde o dilúvio. Ela se chama: estar desperto.

Estar desperto é tudo.

De nada o homem está tão firmemente persuadido quanto de estar desperto. Em verdade, porém, ele está aprisionado numa rede de sono e de sonho que ele mesmo teceu. Quanto mais densa é essa rede, mais poderosamente o sono governa. Aqueles que nela estão presos passam pela vida como um rebanho a caminho do matadouro, obtusos, indiferentes e sem pensamentos.

Estar desperto é tudo.

O primeiro passo nesse sentido é tão fácil que até uma criança sabe fazê-lo; só o inculto desaprendeu a andar e permanece paralisado de ambos os pés porque não quer abrir mão das muletas que herdou de seus ancestrais.

Esteja desperto em tudo o que empreender! Não acredite que já o está. Não: você dorme e sonha.

Enrijeça-se todo, concentre-se bem e force-se por um momento à sensação que o atravessa com um arrepio pelo corpo: "Agora estou desperto!".

Se você conseguir sentir isso, reconhecerá de repente que o estado em que se encontrava um instante antes não parece, em comparação, senão como aturdimento e sonolência.

E este é o primeiro passo hesitante para uma longa, longa migração da servidão à onipotência.

Caminhe dessa forma de despertar em despertar.

Não há pensamento tormentoso que assim você não possa banir; ele fica para trás e não pode mais alcançá-lo; você o supera, assim como a copa de uma árvore cresce e se expande acima dos ramos secos.

As dores cairão de você como folhas murchas, uma vez que você esteja tão avançado que esse despertar se apodere do seu próprio corpo.

As imersões gélidas dos hebreus e brâmanes, as vigílias noturnas dos discípulos de Buda e dos ascetas cristãos, os suplícios infligidos pelos faquires hindus para não adormecer, nada mais são do que rituais exteriores cristalizados, fragmentos de colunas que revelam aos buscadores: "Aqui, em eras cinzentas e distantes, erguia-se um templo arcano à ’Vontade de estar desperto’".

Leia as escrituras sagradas de todos os povos da terra: o fio vermelho da doutrina arcana do despertar as atravessa todas. É a Escada Celestial de Jacó que lutou com o Anjo do Senhor toda a "noite" até que se fizesse "dia", e ele alcançou a vitória.

De um degrau para outro de um despertar cada vez mais claro e distinto você deve subir se quiser matar a morte, cuja couraça tem como placas o sono, o sonho e o aturdimento.

Pense que o degrau mais ínfimo dessa Escada Celestial se chama gênio. Que nome deveríamos dar então aos graus mais altos? Eles permanecem ignorados pelas multidões e são tidos como lenda.

No caminho do despertar, o primeiro inimigo que o barrará será o seu próprio corpo. Até o primeiro canto do galo ele lutará contra você. Mas quando você conseguir ver o dia do eterno despertar que o afastará da hoste de sonâmbulos que creem ser homens e não sabem ser deuses adormecidos, então o sono do corpo também desaparecerá para você e o universo inteiro lhe estará sujeito.

Então você poderá fazer milagres, se quiser, e não precisará esperar, escravo humilde e lamentoso, que um Deus cruel se digne a lhe conceder a graça — ou a lhe arrancar a cabeça.

Certo: a felicidade do cão fiel e abanador, a de saber um senhor acima de si a quem se possa servir, essa felicidade se quebrará para você. Mas pergunte-se bem e responda-me: Você gostaria de se trocar, homem como você ainda é hoje, pelo seu cão?

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