Litteratura

Página inicial > Obras e crítica literárias > Gilvan Fogel – desafã (Guimarães Rosa)

Gilvan Fogel – desafã (Guimarães Rosa)

sábado 5 de julho de 2025

O aprendizado do desaprendizado do símbolo, das significações, nos põe direta e imediatamente numa dimensão extraordinária, inabitual, insólita. E quando, de repente, começa-se a ver, “por exemplos: — a rosação das roseiras. O ensol do sol (a en-sola-ção do sol!) nas pedras e folhas, o coqueiro coqueirando, a pedra se mesmando”. Isso acontece, isso se dá, na verdade, pode acontecer ou dar-se quando acontece ou se dá, seguindo Guimarães Rosa Guimarães Rosa Guimarães Rosa (1908-1967) , o “desafã”, isto é, quando se perde a cobiça, a sanha — aqui, no caso, a cobiça de símbolos, a sanha de, por significações [1]. Perdendo o afã, desaprendo a cobiça, impera o solto, o largado, o abandonado, tal como “criança desconhecida e suja brincando à minha porta” — largada, solta, abandonada, em completo desafã. Este lugar, esta hora, esta paisagem extraordinária, insólita — é este o lugar, a hora, a paisagem e o país insólito e extraordinário da experiência arcaico-originária da linguagem. Uma epifania da vida no dizer, da existência no e como dizer, que se faz mostrar, i-mediato mostrar. O divino, o sagrado, pois gratuitamente, desde nada e para nada, a-byssalmente. Hierofania do e no divino sentir-ver-dizer — aísthesis-noûs-lógos. O corpo, que é a alma, a psyché (vida) dos deuses — e do homem. Celebração e festa nisso, disso. E este é o lugar, isto é, o tempo e a (T) terra, a pátria de Caeiro. Perfeita sintonia e sincronia com este acontecimento — isto é, uma sintonia e uma sincronia toda feita por e ao longo deste acontecimento. Por e ao longo da história, que é este acontecimento. Isso e assim é, nisso e assim faz-se ou dá-se experiência da linguagem. E por isso, só por isso, Caeiro é mestre, o grande mestre. Como dissemos, não só o mestre do próprio Fernando Pessoa Fernando Pessoa Pessoa, Fernando (1888-1935) , do Ricardo Reis e do Álvaro de Campos, mas também de Camões, de Drummond, de Cabral e até de Homero, de Dante Dante Dante, Alighieri (1265-1321) , de Shakespeare Shakespeare William Shakespeare (?-1616) , de Goethe Goethe Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) ... Enfim, de todos. De toda linguagem, que realmente diz, i. é, mostra. Então, também mestre, p.ex., da prosa de Platão, de Aristóteles, de Kant, de Hegel, de Nietzsche, de Heidegger...

FOGEL, Gilvan. O desaprendizado do símbolo: ou da experiência da linguagem. Rio de Janeiro: Mauad X, 2017.


[1Cf. Guimarães Rosa, J., Cara de Bronze. In: No Urubuquaquá, no Pinhém. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978, p. 100.