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Abellio (Ézéchiel) – ator e espectador da vida

segunda-feira 7 de julho de 2025

Quando me acontece refletir sobre o pouco tempo que nos é dado para viver e para nos encher de experiências que realmente valham a pena, a inumerável multidão de pequenas dificuldades e pequenas satisfações que constituem a trama da vida se perde numa espécie de distância cinzenta e indistinta, e as próprias ideias de felicidade e infelicidade me parecem igualmente fúteis. Ao mesmo tempo, essa convicção toda-poderosa que me habita — de que serei sempre, doravante, ao mesmo tempo o ator e o espectador da minha própria aventura — me ajuda a aceitar qualquer destino e a me firmar nele e contra ele. Seja no extremo da multidão (penso na minha última saída em Colombes, com Jansen, para um jogo internacional) ou então, como esta noite, no vazio de certas ruas, nunca esqueço que a polícia me procura e, no entanto, me sinto completamente estranho a essa caçada. O essencial de mim mesmo lhe escapa. Estou só. Não digo indiscernível — o que só é reconfortante em relação à polícia —, mas só. Recolho-me sempre ao que, em mim, é inatingível. De manhã, quando acordo melancólico e mal-humorado, uma simples viagem no metrô lotado me põe de pé novamente. Ao meu redor, nada além de rostos de brutos, e, assim que percebem que estão sendo observados, tornam-se sorrateiros ou esquivos. No cio, agressivos como gatos, covardes como lebres! já gritava Lênin. Essas pessoas, membros de um júri? Tanta zombaria se torna um benefício para mim. Olho para eles mais uma vez e, de repente, meu peito se dilata...

Abellio Abellio Raymond Abellio (1907-1986)

ABELLIO, Raymond. La structure absolue. Paris: Gallimard, 1965
, Raymond. Les Yeux d’Ezéchiel sont ouverts. Paris : le Livre de poche, 1968