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Agamben – experiência em Proust
sábado 28 de junho de 2025
Porém, a objeção mais peremptória ao conceito moderno de experiência foi levantada na obra de Proust Proust Proust, Marcel . Pois o objeto da Recherche não é uma experiência vivida, mas justamente o contrário, algo que não foi nem vivido nem experimentado; e nem mesmo o seu subitaneo aflorar nas intermittences du coeur constitui uma experiência, a partir do instante em que a condição deste afloramento é precisamente uma oscilação das condições kantianas da experiência: o tempo e o espaço. E não são apenas as condições da experiência a serem colocadas em dúvida, mas também o seu sujeito, dado que este não é certamente o sujeito moderno do conhecimento (Proust Proust Proust, Marcel parece antes ter em mente certos estados crepusculares, como o semi-sono ou a perda de consciência: «je ne savais pas au premier instant qui j’étais» é a sua fórmula típica, da qual Poulet registrou as inúmeras variações). Mas aqui não se trata nem mesmo do sujeito bergsoniano, a cuja realidade última nos dá acesso a intuição. Aquilo que a intuição revela não é, na realidade, nada mais do que a pura sucessão dos estados de consciência, ou seja, ainda algo de subjetivo (aliás, o subjetivo em estado puro, por assim dizer). Enquanto que, em Proust Proust Proust, Marcel , não existe mais propriamente sujeito algum, mas somente, com singular materialismo, um infinito derivar e um casual encontrar-se de objetos e de sensações. E o sujeito expropriado da experiência que se apresenta aqui fazendo valer aquilo que, do ponto de vista da ciência, não se pode manifestar senão como a mais radical negação da experiência: uma experiência sem sujeito nem objeto, absoluta. A inexpérience, da qual, segundo Rivière, Proust Proust Proust, Marcel morreu («... il est mort de ne pas savoir comment on allume un feu, comment on ouvre une fenêtre»), deve ser interpretada literalmente: recusa e negação da experiência.


Giorgio Agamben. Infância e história: destruição da experiência e origem da história. Tr. Henrique Bungo. Belo Horizonte : Editora UFMG, 2005.