Em seu capítulo de adeus ao leitor, o capitão Lemuel Gulliver precisa que o vício mais odioso e mais insuportável do homem lhe parece ser o orgulho: "... quando contemplo um amontoado de deformidades e doenças tanto corporais quanto mentais, tomado de orgulho; isso ultrapassa imediatamente os limites de minha paciência, assim como me será sempre impossível compreender como esse animal e esse vício podem andar juntos". E o viajante cogita de se resignar a viver entre os yahoos que povoam a (…)
Excertos de obras literárias, cênicas e gráficas, além de crítica literária, com foco no imaginal mitográfico, lendário e fantástico.
Matérias mais recentes
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Jean Richer – Swift: cavalos, sociedade ideal
6 de julho, por Murilo Cardoso de Castro -
Jean Richer – Swift, houyhnhnm = cavalo?
6 de julho, por Murilo Cardoso de CastroSomos agora conduzidos a nos perguntar o que significa a palavra houyhnhnm que designa o cavalo em Swift.
Se estabelecermos a lista das palavras da língua houyhnhnm figurando na quarta viagem de Gulliver, chegamos bastante rápido à conclusão de que, como já assinalado, os cavalos falam uma língua germânica, mais próxima ainda do inglês que do alemão, com a adição de um número suficiente de agrupamentos yl, hl, hn, hm, para dar ao seu léxico o aspecto relinchante e a pronúncia equina (…) -
Jean Richer – Swift, Ars Punica
6 de julho, por Murilo Cardoso de CastroEm 1941, um certo Jean Richer, com quem o signatário destas linhas mantém alguns pontos em comum, estava prisioneiro na Alemanha, nas montanhas de Eifel. Era empregado numa fazenda de uma aldeia chamada Weinsheim. Naquela manhã, acabara de limpar o estábulo quando seu patrão da época, um camponês bastante idoso, ressecado pelas intempéries, começou um discurso em seu jargão, acompanhado de gestos eloquentes — várias vezes repetia a palavra Jauche. Logo ficou claro para o "gefang" que se (…)
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Hermann Hesse – Ludwig Tieck
6 de julho, por Murilo Cardoso de CastroSe eu fosse astrólogo, a primeira coisa que faria para poder dizer algo sobre um escritor seria estudar seu horóscopo. E apostaria que o horóscopo de Ludwig Tieck é um desses vacilantes, duvidosos, imprecisos e que se neutralizam em si mesmos, um desses em que qualquer constelação boa corresponde a outra má, em que cada linha marcada está cruzada e corrigida por outra. Existem horóscopos assim e, deixando a astrologia de lado, existem também muitos caracteres e destinos assim, que parecem (…)
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Tieck – Não despertes os mortos!
6 de julho, por Murilo Cardoso de Castro"Queres dormir para sempre? Nunca mais despertarás, meu amado, mas repousarás eternamente da tua curta peregrinação na terra? Oh, retorna ainda uma vez! e traz contigo o alvor da esperança que vivifica aquele cuja existência, desde a tua partida, foi obscurecida pelas sombras mais densas. Quê! Muda? Para sempre muda? Teu amigo se lamenta, e não lhe dás atenção? Ele derrama lágrimas amargas e escaldantes, e tu repousas indiferente à sua aflição? Ele está em desespero, e já não abres os braços (…)
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Tieck – Os Elfos
6 de julho, por Murilo Cardoso de Castro—Onde está nossa pequena Maria?
—Está brincando no campo com o filho do nosso vizinho — respondeu a mulher.
—Não vão se perder — disse o pai, preocupado —, são tão atrapalhados.
A mãe deu uma olhada nas crianças e levou o lanche delas para a mesa.
—Que calor! — disse o menino, enquanto a menina se jogava sobre as cerejas vermelhas.
—Cuidado, crianças — disse a mãe —, não vão muito longe de casa nem entrem na floresta; seu pai e eu vamos para o campo.
O jovem André respondeu: (…) -
Jean Richer (Tieck) – "Amor e Magia"
6 de julho, por Murilo Cardoso de CastroTodo o início da narrativa nos apresenta o confronto de dois temperamentos, que também são forças planetárias: Emile — cujo nome significa emulação, desejo de excelência, de superar a si mesmo, representa o princípio saturnino da melancolia, em relação com a cor negra, o chumbo e o sal alquímico.
A esse respeito, Tieck multiplica indicações precisas, de maneira tão enfática que beira a pesadez:
"Emile, jovem rico de temperamento irritável e melancólico..."
Antes de empreender uma (…) -
Jean Richer (Tieck) – Os sete princípios em "Amor e Magia"
6 de julho, por Murilo Cardoso de CastroGeralmente considera-se que o conto de Tieck Amor e Magia (Liebeszauber) ilustra o tema da crueldade da vida humana. Sua frase final: "A casa inteira estava agora mergulhada em dor, luto e terror" parece, de fato, trazer a única "conclusão" possível, após a série de eventos que acabou de ser descrita. Mas sua própria brevidade deve levar a questionar o que Tieck realmente quis expressar nesse estranho relato e se o efeito produzido não é bastante diferente das intenções profundas do escritor (…)
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Fiona Steinkamp – "Clara" de Schelling
5 de julho, por Murilo Cardoso de CastroClara é única na literatura filosófica. É uma discussão contada como uma história, sua própria estrutura reflete seu conteúdo, e tem uma mulher como uma de suas personagens centrais. Infelizmente, a obra permanece apenas como um fragmento, mas está imbuída de muitos temas românticos e pode ser lida em diversos níveis. Isso confere à discussão uma certa beleza. Clara é possivelmente a única obra de Schelling que busca tornar seu pensamento mais acessível e que realmente consegue fazê-lo, (…)
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Zarader – Blanchot: a força do negativo
5 de julho, por Murilo Cardoso de CastroHegel alcança o status de interlocutor privilegiado no momento em que Blanchot admite uma equivalência, ao menos parcial, entre o que ele nomeia, em sua linguagem metafórica, a noite e o que Hegel chamava de negativo. Reconhece, portanto, nele um pensador que enfrentou a mesma questão que ele, e que a considera central. Mas Hegel representa também, aos olhos de Blanchot, uma das respostas a essa questão, talvez mesmo, concede, a única resposta possível. É, portanto, em relação a ela que ele (…)