Quero lembrar aqui, para esclarecer o que disse acima sobre as especulações hindus, como essa viagem humana era não só concebida mas organizada e institucionalizada socialmente na velha civilização da Índia.
O fundamento dessa civilização é o Veda. A base do Veda, é um conjunto de hinos que passam por extremamente obscuros; a verdade é que é nosso espírito que se obscurece diante de sua simplicidade essencial: nos deixamos deslumbrar pela riqueza inaudita das metáforas, e perdemos de vista (…)
Excertos de obras literárias, cênicas e gráficas, além de crítica literária, com foco no imaginal mitográfico, lendário e fantástico.
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René Daumal – O valor do discurso em um saber tradicional
30 de junho, por Murilo Cardoso de Castro -
René Daumal – Recarregadores de palavras
30 de junho, por Murilo Cardoso de CastroHá uma outra realidade social, muito durável e comum a muitos indivíduos, que pode servir de suporte a um ensino mais que verbal: é a própria imagética da linguagem, distinta de sua função puramente lógica. A ciência e a lógica, para seus fins próprios, precisam esvaziar as palavras o máximo possível de seu conteúdo motor ou afetivo, e de seu sentido metafórico; é claro que quando falamos, em geometria, de um "triângulo inscrito em um círculo", é melhor não pensarmos na imagem de uma "tripla (…)
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René Daumal – Sócrates hindus
30 de junho, por Murilo Cardoso de CastroTodos os homens que quiseram transmitir a seus semelhantes um conhecimento vivido serviram-se dessas imagens latentes no pensamento coletivo de seu tempo; eles ressuscitaram os deuses no homem, e, por isso, muitas vezes, entraram em conflito com a teologia de sua época. O fato é posto notavelmente em evidência nas Upanishads hindus, que, pelo problema de transmissão de conhecimento que ali se coloca, e pelas maneiras como é resolvido, se assemelham muito aos diálogos socráticos. Como essas (…)
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René Daumal – Imagens de Sócrates e de todo mundo
30 de junho, por Murilo Cardoso de CastroAlguns pensadores quiseram fazer mais, e introduzir nas palavras que legaram à humanidade incitações mais diretas a pensar realmente, isto é, a fazer, em toda a força desse termo ridiculamente gasto, ato de presença. Eles quiseram evitar que se tomassem suas palavras pela verdade mesma; e, além disso, quiseram impedir que se tomassem suas falas como uma obra de arte e nada mais. Há algo terrivelmente dramático — para quem já tentou falar seu pensamento — no esforço de um Platão, que empregou (…)
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René Daumal – A imagem poética
30 de junho, por Murilo Cardoso de CastroAlguns pensadores, compreendendo que a fórmula didática arriscava ser tomada por um fim em si mesma e podia assim suprimir a verdadeira pesquisa, puderam prevenir esse erro fazendo do invólucro de seu pensamento uma coisa finita mas não final; um fim, não absolutamente em si, mas um fim no sentido em que a escolástica fala de "fins intermediários"; em outras palavras, fizeram obras de arte; já que limitamos nosso estudo à expressão verbal, eles se tornaram literatos; e os maiores entre eles, (…)
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René Daumal – Ambivalência das expressões verbais
30 de junho, por Murilo Cardoso de CastroEsse momento é aquele em que um homem, tendo adquirido um conhecimento, quer transmiti-lo com palavras. Primeiro para torná-lo um objeto do mundo, para lhe dar uma forma definida e assim se libertar completamente do problema que acabou de resolver; depois para que outros possam se beneficiar dessa aquisição.
É quase desnecessário dizer que a própria pesquisa que levou a esse conhecimento não pode ter sido uma pesquisa verbal. Nenhum mecanismo verbal pode criar verdade. Nenhum pensamento (…) -
René Daumal – O Monte Análogo (2)
30 de junho, por Murilo Cardoso de CastroA noite se adensava ainda ao nosso redor, no sopé dos pinheiros cujas copas traçavam sua alta escrita no céu já de pérola; depois, baixas entre os troncos, rubores se acenderam, e vários de nós viram se abrir no céu o azul lavado dos olhos de suas avós. Pouco a pouco, a gama dos verdes saía do preto, e às vezes uma faia refrescava com seu perfume o odor da resina, e realçava o dos cogumelos. Com vozes de matraca, ou de fonte, ou de prata, ou de flauta, os pássaros trocavam seus pequenos (…)
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René Daumal – História dos homens-ocos
30 de junho, por Murilo Cardoso de CastroOs homens-ocos vivem na pedra, nela circulam como cavernas viajantes. No gelo eles se passeiam como bolhas em forma de homens. Mas no ar eles não se aventuram, pois o vento os levaria.
Eles têm casas na pedra, cujas paredes são feitas de buracos, e tendas no gelo, cuja lona é feita de bolhas. De dia eles ficam na pedra, e à noite erram no gelo, onde dançam à lua cheia. Mas nunca veem o sol, caso contrário eles explodiriam.
Eles só comem o vazio, eles comem a forma dos cadáveres, eles se (…) -
Suassuna (Pedra do Reino) – Mundo
30 de junho, por Murilo Cardoso de Castro[...] nos meus momentos mais ensolarados de devaneio, o próprio Mundo me aparece como uma larga estrada sertaneja, um Tabuleiro seco e empoeirado, onde, por entre pedras, cactos e espinhos, desfila o cortejo luminoso e obscuro dos humanos — Reis, valetes, Rainhas, cavalos, torres, Curingas, Damas, peninchas, Bispos, ases e Peões. Todo este meu Castelo e os acontecimentos que nele sucedem para sempre, me aparecem com o elemento festivo e sangrento dos sonhos, como a encenação de um espetáculo (…)
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Suassuna (Pedra do Reino) – três sangues dentro do homem
30 de junho, por Murilo Cardoso de Castro— Não, não é isso o que eu dizia não, Dinis! Momentos de medo, como esse que você diz, todo mundo tem! Agora mesmo é um desses: você está ameaçado, apavorado! E tem razão para isso, porque você é um homem marcado, faça o que fizer e fuja como fugir! Momentos como esses são os de se gritar para Deus, dizendo: “Tome suas providências! Tome, porque no meu aniquilamento, não sou capaz de fazer mais nada! E mesmo que ainda pudesse tomar algumas, seriam as providências da fraqueza, da maldade, da (…)