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Patocka – Tragédia
quinta-feira 3 de julho de 2025
A tragédia grega, originada do comportamento ritual, permanece ainda, em seu grande período, um comportamento ritual ligado à força criadora da linguagem, a uma poesia que tem sua fonte no espírito autêntico do mito. A tragédia é originalmente o rito da revivescência de um herói a quem se dedica um culto mítico, de um ancestral cuja história está enraizada no mundo primordial que forma a estrutura e o núcleo constante de tudo o que é e do presente em sua totalidade. Se o herói pode reviver na pessoa do corifeu, é unicamente porque o que é é o que foi. E o conteúdo do rito não pode ser outra coisa senão o protoevento primordial, o mysterium tremendum da existência humana em sua "falha originária" da qual procedem todos os caracteres de essência, todas as dimensões essenciais da vida. Se concebemos a tragédia como rito originário, podemos dizer, paradoxalmente, que ela não nasce nem do espírito da música, nem do mito, mas que ela mesma é a fonte da qual o mito se alimenta. É a isso que estaria ligado, então, o imenso significado para a vida que habita a tragédia, criação eminente do mundo ético (para emprestar o termo de Hegel), do mundo da πόλις grega que não é uma simples coletividade de fato, mas uma comunidade sagrada, cultual. A tragédia é uma forma insigne, originária e única da autocompreensão humana, forma na qual a comunidade como tal, em seu conjunto, expõe a descoberto diante de seus olhos o que é e o que significa o homem. A tragédia não é teatro no sentido moderno do termo, a encenação de uma intriga interessante e cheia de cores; os espectadores não são simples espectadores; todos são plenamente o que veem se desenrolar no palco. Eles "são" porque são homens míticos que compreendem a verdade originária do mito. Isso explica também por que não podemos mais representar a tragédia grega no sentido autêntico. Pode-se representar Hamlet de smoking ou com nossas roupas cotidianas, porque o mundo de Shakespeare Shakespeare William Shakespeare (?-1616) é o mundo moderno, onde a fábula não passa de uma história individual que nos interessa como tal. Representar Sófocles Sófocles com trajes modernos seria, ao contrário, impossível. O resultado seria ridículo, uma caricatura menos da tragédia grega do que de nós mesmos, em nossa incapacidade de rito e de mito.
Ver online : PATOCKA, Jan. L’écrivain, son “ objet”. Paris: Presses Pocket, 1992