Busco a verdade, portanto não a conheço. Como posso então dizer que desejo alcançá-la? Na verdade, não tenho o direito de afirmar nada sobre a verdade, nem mesmo que ela é desejável. Mas sofro, tenho medo e duvido, quero saber por quê, quero me libertar, quero compreender... Não se pode querer dormir. Se quero, é sempre antes permanecer acordado, ou melhor, despertar sem cessar. Ao despertar, constato que sofro, que mudo, que sou diverso, que não compreendo nada; e quanto mais desperto, mais (…)
Excertos de obras literárias, cênicas e gráficas, além de crítica literária, com foco no imaginal mitográfico, lendário e fantástico.
Matérias mais recentes
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René Daumal – Carta a si mesmo
1º de julho, por Murilo Cardoso de Castro -
René Daumal – Memoráveis
1º de julho, por Murilo Cardoso de CastroLembra-te: de tua mãe e de teu pai, e de tua primeira mentira, cujo odor indiscreto rasteja em tua memória.
Lembra-te de teu primeiro insulto àqueles que te fizeram: a semente do orgulho estava semeada, a fratura reluzia, rompendo a noite uma.
Lembra-te das noites de terror em que o pensamento do nada te arranhava o ventre, e voltava sempre para roê-lo, como um abutre; e lembra-te das manhãs de sol no quarto.
Lembra-te da noite da libertação, em que teu corpo, desatado, caindo como uma (…) -
René Daumal – A Origem do Teatro de Bharata
1º de julho, por Murilo Cardoso de CastroO texto. - O Nâtya-Çâstra de Bharata é o mais antigo tratado de arte dramática hindu. Nâtya significa inicialmente dança e representação mimada, mas o teatro hindu, desde a origem, é a arte total. É dança, mímica, música, canto, poesia, arquitetura, encenação e até pintura. Em todas essas matérias, o Nâtya-Çâstra é a primeira autoridade, porque é um saber tradicional; recebe até o nome de Quinto Veda.
Entende-se por saber tradicional (veda, vidyâ) um corpo de doutrina que desenvolve o (…) -
René Daumal – Aproximação da arte poética hindu (2)
30 de junho, por Murilo Cardoso de CastroEspero ter mostrado por estas notas que a poesia, para os Hindus, se não é senão um meio a serviço do conhecimento, é também uma das mais altas atividades que o homem possa exercer. «O estado de homem é difícil de alcançar neste mundo, e o conhecimento então é muito difícil de alcançar. O estado de poeta é difícil então de alcançar, e a potência criadora é então muito difícil de alcançar .» A operação poética — da qual a gustação poética é o reflexo — é um verdadeiro trabalho do poeta, não (…)
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René Daumal – A analogia poema-homem
30 de junho, por Murilo Cardoso de CastroO Sabor é a essência, o «si» (âtman) do poema. Assim como no homem, no poema o âtman se manifesta por certas «virtudes» (guna), que se chamam também «funções, atividades específicas» (dharma) do Sabor. Elas se classificam em três categorias: suavidade, que «liquefaz o espírito», o amolece; ardor, que o «incendeia», o exalta; evidência, que o ilumina «com a rapidez do fogo na lenha seca». Dessas três categorias derivam os diferentes tipos de emoções poéticas .
Assim como o estado interior (…) -
René Daumal – O Sabor
30 de junho, por Murilo Cardoso de CastroMas qual é o conteúdo dessa «sugestão», o que ressoa nessa «ressonância» que é o sentido mesmo do poema? Em outras palavras, o que é, em sua essência, a poesia? Depois de ter refutado um certo número de definições propostas por outros autores , Viçvanâtha diz: «A poesia é uma palavra cuja essência é sabor» . E explica o que é o «sabor» (rasa): «Uma emoção fundamental, como o amor, manifestada pela representação de suas causas ocasionais, de seus acompanhamentos sensíveis e de seus efeitos, (…)
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René Daumal – Os poderes da palavra
30 de junho, por Murilo Cardoso de CastroEntende-se que aqui não falamos senão dos usos retóricos e poéticos da linguagem. Na liturgia e na arte encantatória intervêm ainda outros «poderes» da linguagem: virtudes dos timbres, articulações, acentos, metros, modos de recitação, etc., que dependem da ciência dos mantra; esta é reservada a um pequeno número, enquanto a poesia se dirige a todos aqueles «que têm um coração» (sahridaya). Não falamos tampouco da poesia védica, fruto de uma arte «não humana».
Nos textos didáticos, os (…) -
René Daumal – A doutrina da linguagem
30 de junho, por Murilo Cardoso de CastroAntes de tentar seguir os estetas hindues nos últimos mistérios poéticos, onde a operação verbal é a imagem de um trabalho sobre si mesmo, é preciso lembrar a base artesanal da arte hindu. Para o Hindu, a expressão da personalidade não tem nenhum valor artístico. O belo é o poder comovedor do verdadeiro . O artista é antes de tudo um artesão, que tem por tarefa fazer certos objetos segundo certas regras e com um certo objetivo. Deve conhecer antes de tudo a matéria que tem que trabalhar. A (…)
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René Daumal – Origem da arte
30 de junho, por Murilo Cardoso de CastroA arte não é uma atividade natural do homem. Nas idades em que o conhecimento do Real era o objetivo mais importante da vida humana, todas as atividades naturais eram ao mesmo tempo analogias, sinais e provas da busca interior. Quando veio a época de obscurecimento do Kali-yuga (no meio do qual estamos), os homens começaram a praticar essas atividades apenas por seus frutos exteriores. O par «agradável-desagradável», conduzindo o cortejo das paixões, tornou-se o principal móvel da conduta. (…)
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René Daumal – Aproximação da arte poética hindu
30 de junho, por Murilo Cardoso de CastroUm dia aprendi diretamente que todos esses livros só me haviam oferecido planos fragmentários do palácio. O primeiro conhecimento a adquirir, doloroso e real, era o da minha prisão. A primeira realidade a experimentar era a da minha ignorância, da minha vaidade, da minha preguiça, de tudo o que me prende à prisão. E quando novamente olhei as imagens desses tesouros que, pela via dos livros e do intelecto, a Índia me enviara, vi por que essas mensagens nos permanecem incompreendidas.
Vamos (…)