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Jan Patocka. L’écrivain et son "objet"
Patocka – o mundo da vida
quinta-feira 3 de julho de 2025
Parece que o conceito husserliano de "mundo da vida" traz aqui uma solução. Aquilo em que vivemos originalmente não é o "mundo em si", ao qual só chegamos através de um longo e laborioso processo de eliminação progressiva de todo "antropomorfismo", mas sim o mundo da vida, cujo sentido é constantemente elaborado e enriquecido pelas funções "anônimas" da vida. Essas funções são anônimas porque, embora estejamos a todo momento em presença de seus resultados, o emissor permanece ausente. O objeto da vida não é originalmente a vida mesma, mas o mundo dotado de sentido, moldado, preenchido de alma pela vida, o mundo como eco contínuo (onde ouvimos também nossa própria voz de fora, de longe). Na práxis da vida, que se preocupa sobretudo com as coisas em sua autonomia, essa ressonância não interessa; o que importa é chegar a tempo na fábrica, manter bem o fogo da caldeira, executar com competência tal ou qual trabalho no torno, etc. O escritor-poeta, no entanto, não cessa de desvelar e revelar a ressonância do mundo. Por isso não completa o sentido, não o aperfeiçoa, não o insufla, mas simplesmente o recolhe e desvela. Ao contrário do filósofo que reflete e, a partir de um mundo pleno de sentido, regride até a subjetividade da qual esse sentido é o cumprimento, ele deixa ser o anonimato, contentando-se em acentuar seus resultados, essa "espiritualização" do mundo que se produz sempre de novo e nunca tem fim. O escritor desvela o processo criador da própria realidade, aquilo que nela, sem ser um aspecto da "substância", é todavia inegavelmente. A relação do escritor com o mundo situa-se de certo modo a meio caminho entre a práxis da vida e a reflexão filosófica. Toda obra autêntica de escrita é portanto uma evocação do mundo em sua essência, mas ao mesmo tempo respeita seu mistério, aquilo que está a cada passo presente, mas cuja solução é para sempre deixada em suspenso. De que maneira o escritor alcança esse resultado? Simplesmente acentuando os ecos da vida com o auxílio do meio no qual o mundo se reflete e se exprime naturalmente: com o auxílio da linguagem. As estruturas linguísticas, inicialmente voltadas para a práxis, mas que também trazem em si marcas indeléveis de sua origem vital, são assim utilizadas de maneira nova. Por essa razão, a obra do escritor não poderia existir sem o gênio linguístico que consegue inverter a orientação do uso da linguagem, voltá-la de fora para dentro. As análises formais podem certamente confirmar essa nova função da palavra poética. Mas a compreendem apenas em seu resultado, como coisa acabada, e não em sua intenção última, no drama da transcendência humana que se lança na realidade e dela se torna parte integrante para novamente reconquistar a posição acima das coisas que lhe é própria como ser "do" mundo.
Não se deveria crer ter dito tudo sobre a "espiritualização" ou "ressonância" do mundo explicando-a, como os psicólogos, como um conjunto de associações, projeções, etc. A associação designa algo subjetivo, um desenrolar de vivência que remete, num segundo momento, a algo objetivo, ao contexto. A espiritualização não é uma associação, mas quando muito seu resultado, seu cumprimento. Não se pode portanto dizer que o poeta, em sua linguagem metafórica, figurada, que amplia, refina e acentua, cria a realidade de sua obra. O que de fato lhe importa - e é aí que reside o caráter cognitivo do trabalho do escritor - é, com o auxílio de tudo o que cria, das estruturas linguísticas e conceituais, dos esquemas dos personagens e da ação, apreender o mundo em sua figura viva, o mundo de uma vida determinada. Por isso não é Hamlet o objeto da obra do poeta, mas um mundo de certo tipo e estilo é apreendido com o auxílio e por intermédio de Hamlet. O mundo da vida é o mundo de tal vida. Há, em diferentes vidas e diferentes mundos, traços comuns, mas a trama que formam é cada vez específica, conforme o destino de cada um e o fim que o aguarda. Podemos entrar e mergulhar com compreensão em diferentes mundos, sem por isso fazê-los nossos ou nos identificar com eles; não vale para nós o que é inseparável do mundo de Hamlet, a saber, o destino de Hamlet. É também por isso que não se deveria falar de conhecimento (que é sempre objetivo, isto é, intersubjetivamente idêntico e vinculante), mas sim de compreensão como fundamento e condição de toda objetivação, no sentido da exclusão metodológica de toda subjetividade.
O mundo em sua figura vivida é um todo. É uma totalidade, ou seja, está sempre anteriormente às coisas singulares que ultrapassa e engloba de tal modo que, embora seja em cada uma co-visado em seu todo, não está todavia presente como algo acabado. O mundo está presente como o quadro das possibilidades de um ser livre que a todo instante suprime algumas para se apropriar e projetar outras, que se apodera de certas possibilidades e rejeita outras até se realizar nelas à sua própria maneira: esse ser é então um ser "deste" mundo, e este mundo em seu todo, o mundo das possibilidades desse ser. O mundo é um todo porque é o correlato de algo que está sempre, como totalidade, ao mesmo tempo dado e não-dado num duplo sentido, decorrido e ainda não realizado. O mundo é um todo em sua temporalidade; em seu fundamento está o tempo originário.
O mundo é mundo das possibilidades. Todos os seus conteúdos são simplesmente os correlatos das possibilidades de sofrer ou realizar algo e se referem, como tais, ao que visam as primeiras possibilidades imediatas, à doação global de sentido que ali se manifesta. Ora, essa doação global de sentido está cada vez ligada à natureza tal ou qual do projeto, do alcance e do destino de uma vida individual. Assim o mundo permanece o mundo, compreensível a todos, das possibilidades universais, e todavia a "eccidade" também faz parte dele, que faz que não seja possível sem a subjetividade, que o desvelamento, o desvendamento das coisas, que é obra do mundo, não pode sem ela ter lugar. Mas o que é desvelado através dessa eccidade individual, sempre implicitamente e no modo do ocultamento, é a totalidade universal das coisas. E como o escritor é o revelador primeiro, originário, desses entrelaçamentos do sentido da vida, pode-se dizer também que ele é o administrador próprio e originário da integralidade da vida e da totalidade universal. Enquanto todas as outras atividades do espírito sucumbem cada vez mais à lei da especialização, sofrendo uma fragmentação individual à qual só se pode remediar pela divisão coletiva do trabalho e a organização de uma cooperação especializada, a escrita permanece a gestora da totalidade individual, do sentido não fragmentado, realizável pessoalmente da vida, e representa por conseguinte uma instância espiritual não negligenciável que atesta a individualidade da existência espiritual do homem como ens realissimum. Hoje, a própria filosofia que, na esfera do saber conceitual, representou por muito tempo, frente às ciências especializadas, a unidade do olhar espiritual sobre a totalidade, já não pode de fato manter essa pretensão senão de modo puramente formal. Só a arte representa agora a exigência ao mesmo tempo da individualidade e da unidade da vida, a arte e em primeiro lugar a escrita, pois toda outra obra de arte cria objetos que estão necessariamente submetidos a uma interpretação verbal, ao passo que a expressão verbal é o elemento em que a obra do escritor vive diretamente.
A importância dessa obra crescerá portanto no futuro à medida que os outros domínios do espírito, notadamente seu foco científico-técnico atual, se fortaleçam em seu poder de penetrar no interior das coisas, de dominá-las e modelá-las, poder que pertence propriamente à especialização e à divisão. Quanto maior for essa divisão, mais premente será a necessidade de compensação e de um chamado à totalidade da vida, à relação integral com o universo. É a literatura em primeiro lugar que defende essa integralidade. Por isso seu lugar está onde se resiste a várias grandes tendências que decorrem do caráter da sociedade contemporânea tanto no Oriente quanto no Ocidente.


Ver online : PATOCKA, Jan. L’écrivain, son “ objet”. Paris: Presses Pocket, 1992