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Gli ultimi tre giorni di Fernando Pessoa

Tabucchi (Pessoa) - Álvaro de Campos

domingo 29 de junho de 2025

Que horas são?, perguntou Pessoa.

É quase meia-noite, respondeu Álvaro de Campos, a melhor hora para te encontrar, é a hora dos fantasmas.

Por que vieste?, perguntou Pessoa.

Porque se tu vais embora temos algumas coisas a dizer, respondeu Álvaro de Campos, eu não te sobreviverei, partirei contigo, antes de mergulharmos na escuridão temos algumas coisas a dizer.

Pessoa ergueu-se sobre as almofadas, bebeu um gole de água e perguntou: o que fizeste?

Meu caro, respondeu Álvaro de Campos, noto com prazer que não me chamas engenheiro e que não me tratas por "senhor", que me tratas com familiaridade.

Claro, respondeu Pessoa, tu entraste na minha vida, substituíste-te a mim, foste tu que fizeste acabar o meu relacionamento com Ofélia.

Fiz isso pelo teu bem, replicou Álvaro de Campos, aquela rapariga emancipada não servia para um homem da tua idade, teria sido um casamento errado. E depois, sabes, todas aquelas cartas de amor que lhe escreveste são ridículas, eu acho que todas as cartas de amor são ridículas, enfim, defendi-te do ridículo, espero que me agradeças por isso.

Eu amei-a, sussurrou Pessoa.

De um amor ridículo, replicou Álvaro de Campos.

Sim, claro, talvez, respondeu Pessoa, e tu?

Eu?, disse Campos. Eu, bem, eu tenho a ironia, escrevi um soneto que nunca te mostrei, fala de um amor que te envergonhará, porque é dedicado a um rapaz, um rapaz que amei e que me amou em Inglaterra, enfim, depois deste soneto nascerá a lenda dos teus amores reprimidos, e para alguns críticos será a felicidade.

Amaste realmente alguém?, sussurrou Pessoa.

Amei realmente alguém, respondeu em voz baixa Campos.

Então absolvo-te, disse Pessoa, absolvo-te, julgava que na tua vida só tinhas amado a teoria.

Não, disse Campos aproximando-se da cama, também amei a vida, e se nas minhas odes futuristas e furiosas fiz blague, se nos meus poemas niilistas destruí tudo, até a mim mesmo, sabe que na minha vida também amei, com dor consciente.

Pessoa levantou a mão e fez um gesto esotérico. Disse: absolvo-te, Álvaro, vai com os deuses sempiternos, se tiveste amores, se tiveste um só amor, estás absolvido, porque és uma pessoa humana, é a tua humanidade que te absolve.

Posso fumar?, perguntou Campos.

Pessoa fez um gesto afirmativo com a cabeça. Campos tirou do bolso um estojo de prata e pegou um cigarro, enfiou-o num longo bocal de marfim e acendeu-o. Sabes, Fernando, disse, tenho saudades de quando era um poeta decadente, da época em que fiz aquela viagem de transatlântico pelos mares do Oriente, ah, naquela altura teria sido capaz de escrever versos à lua, e garanto-te, à noite, no convés, quando havia bailes a bordo, a lua era tão cenográfica, era tão minha. Mas naquela época eu era estúpido, fazia ironia sobre a vida, não sabia gozar a vida que me foi dada, e assim perdi a oportunidade, e a vida escapou-me.

E depois?, perguntou Pessoa.

E depois comecei a querer decifrar a realidade, como se a realidade fosse decifrável, e veio o desalento. E com o desalento, o niilismo, depois já não acreditei em nada, nem em mim mesmo. E hoje estou aqui à tua cabeceira, como um trapo inútil, fiz as malas para lugar nenhum, e o meu coração é um balde vazio. Campos dirigiu-se à mesinha e esmagou a ponta do cigarro num pires de porcelana. Bem, querido Fernando, disse, precisava de te dizer estas coisas agora que talvez estejamos a deixar-nos, tenho de ir, os outros também virão visitar-te, sei, e a ti não te resta muito tempo, adeus.

Campos pôs a capa sobre os ombros, colocou o monóculo no olho direito, fez um gesto rápido de despedida com a mão, abriu a porta, deteve-se um instante e repetiu: adeus, Fernando. E depois sussurrou: talvez nem todas as cartas de amor sejam ridículas. E fechou a porta.


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Antonio Tabucchi. Gli ultimi tre giorni di Fernando Pessoa. Palermo: Sellerio, 1994