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René Daumal – história do espírito humano

terça-feira 1º de julho de 2025

Falei de uma função metafísica do pensamento humano, de uma necessidade inerente à condição humana do espírito. Devo então considerar como verossímil, até mesmo necessário, que se possa encontrar na história da reflexão do homem pelo menos traços de tentativas para desenvolver uma Metafísica como ciência absoluta.

Mas a história do espírito não é dirigida apenas pela tendência a pensar, a despertar. Se assim fosse, reconheceríamos, ao longo dos séculos, um progresso contínuo e indiscutível da consciência; se mesmo fôssemos forçados a admitir que nesse caso a reflexão já teria atingido seu termo perfeito. Se constatamos sequências alternadas de progressos e regressões, é porque forças antagônicas se opõem ao esforço de tomar consciência. Cada vez que um impulso para o ser se manifesta, tendências a não ser aparecem imediatamente. Mais particularmente, toda tentativa do homem para fazer pensar tem como correlato imediato um sistema organizado de meios para não pensar. É a preguiça essencial do homem, é a força de inércia do sono que assim se constitui em instrumentos que substituem, imitam e matam o pensamento, ao menor capricho de despertar.

Que um homem desperte e se erga, e proclame como único valor real o ato de tomar consciência, suas próprias palavras serão repetidas por mil bocas imitadoras, e, quanto mais violentamente afirmarem o valor único de ser, mais secarão nos lábios em fórmulas mecânicas, embalando os espíritos em trevas crescentes de inconsciência. Assim toda religião nasce para sufocar, imitando, o despertar humano que é sua origem, sua "revelação".

Que um matemático, por um ato de reflexão real, faça uma descoberta no domínio dos números, e imediatamente ele mesmo inventará uma fórmula que, decorada, servirá doravante para resolver toda uma ordem de problemas sem necessidade de pensar. Assim a álgebra mata a aritmética, como a religião mata a revelação: ambas são instrumentos para evitar pensar, substitutos mortos da reflexão. Da mesma forma, é reconhecido que o número de descobertas e invenções científicas, em uma época dada, está, de modo bastante sensível, em razão inversa do grau de perfeição da técnica.

Muitos outros exemplos mostrariam, na história do espírito humano, o pensamento suscitando, como simulacros de si mesmo, os instrumentos de seu próprio funeral; e o ser, cada vez que se afirma, colocando em jogo as forças de inércia do não ser. Mas tomemos cuidado, nós que nos expressamos com palavras, para não confundir o pensamento com suas manifestações verbais. A história do pensamento humano não se restringe à história da filosofia; esta estuda quase exclusivamente manifestações muito particulares, em alguns indivíduos escolhidos, dos despertares sucessivos da consciência. Se o pensamento visa uma Verdade, essa verdade deve ser considerada como universalmente válida. E todos os homens, sem exceção, devem ser vistos como possibilidades de ser essa verdade. Pouco importa, a esse respeito, se, preocupados em ensinar, alguns deles se expressam publicamente e se tornam filósofos. Não tenho o direito de não ver em toda forma humana um pensador possível, um ser virtual que pode um dia passar ao ato. Por outro lado, todas as formas humanas estão ligadas entre si por relações sociais. É preciso então prever que a história das formas do pensamento e do não-pensamento, e a história das formações sociais se interpenetrarão; e a observação confirma essa correlação posta a priori.

Para as massas humanas formadas em sociedade, "não ser" é aceitar modos falaciosos e prontos de agir, pensar, sentir. Esse consentimento é ao mesmo tempo perda da liberdade. Pois não pode haver liberdade para quem dorme. Em todos os povos, em cada época, há homens que lucram com o poder opressor de todas essas falsificações do pensamento, dogmas, ideologias, tradições; tornam-se seus defensores e impõem esses modos de não ser àqueles que sofrem sua dominação. Mas com isso, eles mesmos se submetem ao domínio dessas cadeias de sono, e tanto mais quanto asseguraram por esses meios uma segurança maior. Assim o Poder é sofrido, em retorno imediato, por aqueles que o exercem.

Duplamente sofrido: pois a segurança no sono prende duplamente o opressor. Nunca é uma classe dominante que começará a despertar, a constatar sua decadência e a reformar o regime social; ela deve reforçar sem cessar as crenças que asseguram seu poder; não podendo fingir, para reinar, uma fé que não teria, ao persuadir seus escravos, ela mesma se doutrina, e assim se prende cada vez mais. É a classe oprimida que, superior nisso, tem mais chances de tomar consciência; ela nada tem a ganhar alimentando essas forças de sono; seu interesse material é primeiro sacudir sua servidão econômica, e consequentemente atacar tudo o que estabelece e mantém essa escravidão. É então indiretamente, sob a provocação de uma coação econômica, mas necessariamente, que a classe oprimida deve, ao negar as ideologias adormecedoras dos opressores, encontrar a ocasião de despertar.

Outro fator que escraviza e adormece os povos é o progresso não controlado, mal utilizado, das técnicas de produção. Antigamente, o artesão ainda tinha algumas oportunidades de pensar. O oleiro que, com os pés e as mãos, amassa o barro informe, o modela, o gira e o coze, dispõe de uma multidão de receitas, de tradições de ofício, de truques necessários, é verdade, que o dispensam de refletir. Mas a terra que ele trabalha resiste; tem suas leis, suas propriedades, que ele deve respeitar fielmente, que deve dirigir com uma habilidade flexível até a forma final - quero dizer ao mesmo tempo termo e objetivo de seus esforços - do vaso que quer fabricar. A matéria assim lhe coloca continuamente questões às quais seu saber-fazer e seus hábitos nem sempre bastam para responder; de tempos em tempos ele deve pensar. Hoje, os males do que se chama "racionalização" tornaram-se clichês. Reconhece-se que ela tira do homem toda necessidade e toda ocasião de pensar. O operário não está mais em contato com a matéria. Ele só tem um gesto a fazer, sempre o mesmo. Mil vezes por dia, a "esteira" traz diante dele a mesma peça, da qual não precisa conhecer a procedência nem o destino, e mil vezes sua mão faz o mesmo movimento, preciso, automático. O operário, tornado máquina entre as máquinas, não sofre apenas essa escravidão durante suas oito horas de trabalho. Nas fábricas mais "modernas", da América e já da Europa, vê-se os patrões vigiarem cada vez mais de perto, graças a uma polícia particular, suas opiniões, suas palavras, seus gestos; regularem a utilização de seus lazeres; imporem-lhe as distrações mais próprias para adormecê-lo ainda mais; escolherem para ele os livros, jornais ou revistas que deve ler, os filmes que deve ver; controlarem enfim os detalhes mais íntimos de sua vida.

O operário moderno está assim, muitas vezes, mais escravizado ainda que o artesão de outrora, que trabalhava o dobro do tempo. A racionalização, que substitui o pensamento por mecanismos, poderia, ao reduzir o tempo de trabalho, permitir ao operário libertar seu espírito da aplicação à tarefa diária, e progredir sem obstáculos. Sob esse pretexto, e em nome de pretensas reformas sociais, certos partidos supostamente proletários, em conluio com os técnicos da burguesia, organizam mecanicamente toda a vida do trabalhador. Como se engrasa, limpa, verifica e protege uma máquina delicada, assegura-se cuidadosamente o mínimo de segurança material necessário para obter dela o máximo de rendimento, para que o capitalismo que a emprega tire o maior lucro possível; e, por essa exploração sistemática do poder produtivo da besta humana, a burguesia pode economizar um número crescente de assalariados, assim reduzidos ao desemprego e à miséria; destes a sociedade só fala e só se preocupa na exata medida em que teme as explosões possíveis de sua cólera. É assim que se fala do bem-estar e do conforto de que gozam os operários dos Estados Unidos: correntes de ouro, talvez, mas tanto mais pesadas para os corpos, e que por seu brilho ofuscam e adormecem os espíritos.

Mas, embora o tema do homem-máquina tenha se tornado um assunto banal, muitas vezes se esquece isto: enquanto no estágio artesanal os produtores permaneciam quase isolados uns dos outros, a opressão em massa dos trabalhadores, ao esmagar os indivíduos, ao rebaixá-los ao papel de engrenagens no grande mecanismo econômico, cria entre eles uma coesão que pouco a pouco se tornará indissolúvel; e quando essa massa tiver tomado clara consciência de sua unidade de classe, seu impulso para a liberação, seu despertar e seu poder destrutivo estarão à altura do peso que a esmaga hoje.


Ver online : DAUMAL, René. Tu t’es toujours trompé. Paris: Mercure de France, 1970


DAUMAL, René. Tu t’es toujours trompé. Paris: Mercure de France, 1970