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L’Originel - René Daumal ou le retour à soi
René Daumal – Carta a Geneviève (19 août 1942)
Geneviève LIEF
segunda-feira 30 de junho de 2025
Tu te lembras que, no início, te dissemos: uma das nossas primeiras tarefas é criar uma linguagem comum. No começo, isso é entendido como um acordo sobre os rótulos que se colocará nas coisas, concordar com uma terminologia. Tu vês hoje que isso tem ainda outro sentido. Não há nascimento sem morte. Não se adiciona uma nova linguagem à antiga. É preciso que a antiga morra. Mas entre a morte e o nascimento, há um «entre-dois», um bardo, que não é agradável. O intelecto é muito hábil. O próprio intelecto sabe muito bem afirmar que não se deve confundir especulação intelectual, imaginação, agitação mental, — com vida espiritual; mas é sempre o intelecto que fala assim, renegando-se a si mesmo e muitas vezes sentindo orgulho por ter conseguido renegar-se. Chega um momento em que a voz que diz «eu» deve saltar do intelecto para uma vida interior, mais real, e é então essa nova vida que vê, primeiro por pequenos lampejos, que é diferente do intelecto. Em seguida, ela deverá colocar o intelecto ao seu serviço. Mas há um momento de transição, que todos nós conhecemos, em que, entre os dois, se vê, se sente com pena e nojo o vazio das discussões comuns (aquelas que se tem com outros ou consigo mesmo), — eu incluo as mais brilhantemente filosóficas, — mas sem ter ainda uma nova linguagem à disposição. É natural que então se queira às vezes calar, e é muitas vezes o melhor por um tempo. Pois, assim que se quer expressar algo um pouco mais real, uma experiência interior, se reencontra imediatamente os velhos procedimentos de expressão, sua rotina, seu trilho. E somos retomados por seu mecanismo, e nos desviamos. É por isso que se diz que nesse período intermediário, que é de amadurecimento, não se deve falar de seu trabalho com os «estranhos». Tu vais querer te colocar ao alcance deles, e eles te arrastarão; é como servir uma bebida a alguém que não tem um recipiente na mão, a água se espalha no chão e só faz lama. Mas é bom que tentes falar com os teus companheiros de trabalho, que se certificarão de não te arrastar e, na ocasião, gritarão: cuidado! E então, poucas palavras, e palavras desajeitadas, um gesto, um olhar, podem ser suficientes para que se entendam, porque se passou pelos mesmos caminhos, e se sabe do que se está falando. Tu tens razão, isso é bem mais fácil na presença corporal. Por carta, os velhos mecanismos despertam mais facilmente. No entanto, na tua última carta, o que quer que penses, tu te fizeste muito bem entender. Às vezes, ao dizer «não posso te dizer», se disse tudo (para quem pode ouvir). Continua assim. Pouco a pouco, tua nova vida, balbuciante, aprenderá a falar. Mas tenta sempre, conosco, — sem nunca perder o pé da tua posição mais verdadeira. Tu verás que, após a morte da velha linguagem e o nascimento da nova, haverá uma «ressurreição do corpo» — ou seja, tua nova vida aprenderá a reanimar o cadáver das antigas rotinas e a fazê-las servir. Palavras que hoje te parecem secas se incharão de seiva. Mas elas não te arrastarão mais para discussões. Portanto, não te forces a expressar (mesmo para nós) tuas experiências de uma forma intelectual, mas tenta nos dizê-las com toda a simplicidade, como se nos contasses que comeste uma boa pera, que torceste um pé, que estás fazendo provisões para o inverno. Quero dizer: que teu esforço para te expressar não seja um esforço para encontrar palavras e frases, mas um esforço para permanecer tranquilamente, como se tivesses que ficar lá por séculos, no que é hoje o mais central de ti mesmo; as palavras e as frases seguirão, talvez desajeitadamente no início, mas nós compreenderemos. Além disso, tu precisarás fazê-lo.
(Nesse momento, eu recebo internamente um bom par de bofetadas por ter te dado um sermão assim).
É preciso desalojar-se incessantemente das velhas poltronas onde se costuma se esparramar. Tu o expulsas da poltrona intelectual, ele foge para a poltrona das pequenas emoções de centavos e se espreguiça ou fica de mau humor lá. Tu o expulsas de lá, ele se refugia na cozinha e vai se empanturrar de geleias. É preciso tornar a casa inabitável para ele, colocar pelo de gato nas camas, pimenta em suas geleias (e mudar frequentemente de métodos, pois ele se habitua a tudo); para que ele só possa se manter onde deve estar, no quarto real, pois «tudo lhe será perdoado, exceto esquecer que é filho de rei». É uma batalha dura, e é em vista dessa batalha que armas, aliados e uma ciência estratégica nos são dados, na necessidade, por aqueles que sabem.
Será realmente bom nos reencontrarmos neste inverno. Realmente, temos grande necessidade de retomar nossas trocas e nosso trabalho com vocês dois.
A ti e a Louis com muito afeto.


ACCARIAS, Jean-Louis. René Daumal ou le Retour à soi: textes inédits de René Daumal, études sur son œuvre. Paris: l’Originel, 1981