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O’Flaharty – As Leis de Manu

domingo 29 de junho de 2025

Certo e errado (dharma e adharma) não andam por aí dizendo: ’Aqui estamos’; nem deuses, centauros ou ancestrais dizem: ’Isto é certo, aquilo é errado.’ ĀPASTAMBA

Estabelecer um livro de leis como o de Manu significa conceder a um povo o direito de, a partir de então, tornar-se magistral, tornar-se perfeito – aspirar à mais alta arte de viver. Para esse fim, a lei deve ser tornada inconsciente: este é o propósito de toda mentira sagrada. NIETZSCHE

Estes dois epigramas sugerem duas visões muito diferentes d’As Leis de Manu, a primeira de dentro da tradição, reconhecendo a complexidade de seus julgamentos morais, e a segunda de fora, argumentando pela duplicidade de sua apresentação desses julgamentos. Estas duas visões levam a duas avaliações muito diferentes da coerência ou contradição na posição de Manu sobre certas questões religiosas centrais, particularmente sobre o paradoxo de matar e comer, e ambas são inestimáveis para nossa compreensão do texto.

A ambivalência de Manu sobre estes e outros dilemas reflete-se na avaliação de seu trabalho feita pelos dois autores desta introdução, um dos quais argumentará por uma tensão irreconciliável entre duas visões de mundo divergentes em Manu, enquanto o outro argumentará por sua integração. É nossa esperança que estas duas avaliações diferentes provem ser, como as duas correntes históricas no texto que tentam compreender, não mutuamente contraditórias, mas simbióticas e coerentes. O leitor fica livre para escolher, tanto entre as diferentes vertentes em Manu, expressas na tradução, quanto entre as duas diferentes avaliações acadêmicas da relação entre essas vertentes, expressas nesta introdução à tradução.

A Parte I situará o texto na história religiosa e social indiana e delineará suas fontes e seu impacto subsequente; demonstrará a origem histórica de uma tensão entre o que pode ser considerado como visões de mundo mutuamente contraditórias na obra. A Parte II argumentará, ao contrário, que o texto consegue fundir essas visões; tentará demonstrar a coerência do texto através de uma explanação da estrutura e do significado da obra como um todo. A terceira parte da introdução explicará a abordagem do texto tomada nesta nova tradução, uma abordagem baseada na suposição de que o texto apresenta uma sequência coerente de pensamentos logicamente integrados.


O’FLAHARTY, Wendy Doniger. The Laws of Manu. London: Penguin, 1991