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Musil – Guerras

BOUVERESSE, J. La voix de l’âme et les chemins de l’esprit: dix études sur Robert Musil  . Paris: Seuil, 2001.

"[...] não possuíamos os conceitos que nos teriam permitido integrar a experiência   vivida à nossa interioridade. Ou tampouco os sentimentos cujo magnetismo os ativa para isso" (Musil).

Como vimos, Musil não acredita que o súbito surgimento da guerra   em uma época decididamente pacifista possa ser   explicado apenas por causas políticas, econômicas ou ideológicas. "A guerra", escreve ele, "pode ter tido mil causas diferentes, mas certamente não se pode negar que cada uma delas — o nacionalismo, o patriotismo, o imperialismo econômico, a mentalidade dos generais e diplomatas, assim como todas as demais — esteja ligada a pressupostos intelectuais determinados, que caracterizam afinal uma situação comum e que atuam ainda como fator decisivo".

A explicação que Musil propõe é que uma Europa em princípio pacífica e próspera foi vítima do tipo de cataclismo periódico que resulta daquilo que ele chama de necessidade   do "colapso metafísico", uma necessidade que "se acumula em tempos de paz como um   resíduo não satisfeito" e que acabou, no caso em questão, por desencadear um reflexo que se pode qualificar como "fuga da paz". O que se testemunhou foi "uma revolução da alma   contra a ordem", que conduz em muitos casos a exaltações religiosas e por vezes a explosões bélicas.

Apesar dos alertas de alguns, que tendem a considerar essa concepção como tipicamente alemã, Musil sustenta, portanto, que a guerra só pode ser   compreendida como o desfecho de uma crise da cultura europeia. "Creio", escreve ele, "que a guerra irrompeu no corpo   de nossa sociedade   como uma doença; uma energia enorme que atuava sem conseguir acessar nossa alma abriu caminho   por essa fístula gangrenosa".