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Meyrink – A Lenda do Golem
terça-feira 23 de julho de 2024
GUSTAV MEYRINK Meyrink Meyrink, Gustav (1868-1932) — O GOLEM (MeyrinkG)
Apresentação de Isabel Hernández da versão em espanhol
Os primeiros registros sobre a transmissão da lenda do golem em fontes judaicas datam da época talmúdica, entre 200 e 500 d.C., quando o sábio Rawa criou um ser que enviou por algum motivo ao seu ajudante Raw Sira. Raw Sira, ao ver que o enviado não conseguia falar, percebeu instantaneamente que era um ser artificial e o destruiu. Mas é no século XII, nos escritos da Cabala, que surge pela primeira vez a denominação de "golem" para um indivíduo nascido artificialmente. A criação deste golem está intimamente relacionada com a de Adão, quando este, ainda incompleto, carecia de alma, mostrando precisamente a força criadora divina, que deve ser sempre necessariamente superior à do homem. Em todo caso, desde seus primeiros momentos, é possível verificar como a lenda vê neste personagem as características próprias do motivo do servo, única finalidade com a qual este ser é criado.
A base para o desenvolvimento da lenda, tal como transmitida pela tradição literária, é formada por duas personalidades notáveis do século XVI: o rabino polonês Elijahu de Chelm e o rabino do gueto judeu de Praga, Jehuda Löw Ben Becadel. Ambos deram forma a uma criatura com essas características para que lhes servisse como criado: o primeiro lhe deu vida escondendo na boca um pedaço de pergaminho no qual o rabino havia escrito anteriormente uma palavra; o segundo colava o pedaço de pergaminho na testa. Foi precisamente esta última, a lenda do rabino Löw, que mais se popularizaria até ser escrita no século XIX, já com as características próprias de uma lenda bem desenvolvida e conformada pela transmissão oral. O fato de esta variante ter encontrado maior difusão certamente tem muito a ver com a cidade de Praga como um importante ponto de encontro de diferentes correntes migratórias de judeus, vindos do leste e do sul da Europa, assim como da Rússia.
A comunidade judaica que ali residia era uma das mais florescentes e cultas da época. O rabino Löw, estudioso da Cabala e da doutrina judaica, muito interessado nas tradições, contos e lendas de seu povo, era um expoente claro dessa amálgama cultural. A lenda conta que, através do estudo das escrituras sagradas pela Cabala, o rabino conseguiu decifrar a palavra que Yahweh havia usado para dar o dom da vida: "emet" (verdade). Ele então fabricou, com a intenção de demonstrar aos cristãos que eles também possuíam uma criatura sobrenatural disposta a defender os judeus contra seus ataques, um pequeno homem de argila retirada das margens do Moldava e introduziu em sua boca um papel no qual havia escrito essa palavra; o boneco de argila cresceu assim até se tornar um ser de grande tamanho e a vida animou seus membros. Para conseguir isso, o rabino havia realizado os ritos precisos mencionados na Cabala, necessários para dotar a criatura de vida, colocando também em sua testa um papel com a palavra que lhe daria vida. No entanto, como Löw não era Deus, não dotou esta criatura de alma, de modo que ela não passou de uma marionete animada sem vontade própria, caracterizada por uma força extraordinária e por sua obediência cega ao rabino. Para que a criatura agisse sempre assim, o rabino deveria remover o papel com a palavra escrita antes do anoitecer; caso contrário, o golem escaparia de seu controle. Um sábado, ele esqueceu de removê-lo na hora marcada e a criatura se transformou em uma força autônoma e aniquiladora, que conseguiu destruir todo o gueto judeu antes que alguém conseguisse remover o papel. O rabino, vendo que não podia controlar o ser a quem ele mesmo havia dado vida, decidiu destruí-lo apagando a primeira "e" da palavra escrita em sua testa, e deixando escrita a palavra "met" (morte). Löw então escondeu o homem de argila em um lugar secreto, o andar superior da antiga sinagoga da cidade, e destruiu o papel, ao mesmo tempo em que vaticinou que, se alguma vez o povo judeu voltasse a se encontrar em alguma situação complicada, apareceria um rabino iluminado por Deus, capaz de decifrar a palavra mágica, um rabino muito mais sábio que ele, que voltaria a insuflar vida ao golem para salvar com ele seu povo de suas tribulações.
A lenda é baseada no personagem real de Jehuda Löw Ben Becadel, líder dos judeus de Praga que havia estabelecido muito boas relações com o imperador Rodolfo II. Este distinguiu o rabino com concessões aos judeus, fazendo com que estes se tornassem alvo das invejas e da ira do resto do povo. É precisamente daqui que surge a lenda, pois quando em 1580 a cólera do povo se lançou contra os judeus, fazendo com que estes não pudessem sair das muralhas de seu bairro, foi quando o rabino Löw decidiu dar vida a um golem como arma defensiva. Os documentos provam que na vida deste Jehuda, o gueto judeu foi completamente destruído; no entanto, jamais se encontrou prova alguma de que existisse em algum momento algo semelhante ao golem, apesar das muitas investigações realizadas, tanto na sinagoga onde viveu Löw, quanto na chamada Colina da Forca, onde a tradição diz que o golem foi enterrado. No entanto, na memória das pessoas ficou a lembrança de que um dia, num acesso de fúria porque o rabino se esqueceu de seu dever, o golem começou a vagar furioso pelo gueto com a única intenção de destruir tudo o que encontrasse em seu caminho. O romance de Meyrink Meyrink Meyrink, Gustav (1868-1932) tem sua origem no conjunto de lendas da Cabala judaica sobre a criação artificial de vida através do poder evocativo da palavra. Mas com Meyrink Meyrink Meyrink, Gustav (1868-1932) a lenda evolui e vai além, pois o ser artificial do romance volta à vida a cada trinta e três anos e vive em um quarto sem acesso localizado em algum lugar do labirinto do gueto de Praga. Fala-se, então, de um golem que continua vivo, que habita em uma cela do gueto, sem porta e com uma janela gradeada, e que, após um período de tempo regular, sai de lá e vagueia pelas ruas provocando histeria e terror entre aqueles que o encontram. Outras lendas também interessantes são mencionadas, como a do famoso assassino em série Babinski, e a da Casa da Última Lanterna, uma casa na rua dos Alquimistas, que só pode ser vista por alguns afortunados em dias de neblina, e que desempenha um papel importante na interpretação da obra.
O romance, que desenvolve sua ação dentro de um marco narrativo, parte de uma premissa clara: um chapéu alheio provoca o sonho de um protagonista cujo nome o leitor em nenhum momento chega a conhecer. Este erro o transforma em Athanasius Pernath, lapidador de gemas, e o leva ao mesmo gueto judeu de Praga onde vive, mas trinta e três anos antes, o que o faz entrar em uma nova dimensão temporal e também psicológica. Em torno de Pernath começam a acontecer fatos estranhos, e o leitor se aprofunda com ele na vida do gueto de Praga e seus habitantes, onde os acontecimentos envolvem e implicam o protagonista sem que ele em nenhum momento tenha tido a intenção de se envolver neles voluntariamente.
Para tornar mais real esta Praga lendária e tenebrosa, Meyrink Meyrink Meyrink, Gustav (1868-1932) se esforça muito em ambientar o gueto como um lugar lúgubre e sinistro, com neblina por toda parte, gárgulas ameaçadoras e monumentos enegrecidos. Um lugar onde abundam odores putrefatos, e o ódio e os maus desejos são perceptíveis no ambiente. Já o próprio título dos capítulos (Sonho, Impulso, Medo, Tormento...), curtos e impactantes como o estilo telegráfico do próprio texto, produz certo desassossego de acordo com a descrição do entorno da cidade.
O espaço em que se desenvolve o conjunto da ação é o gueto, um espaço destinado ao isolamento, para separar um grupo específico da população do restante. Para o protagonista do romance, esse isolamento não é imposto por nada, mas sim voluntário. Pernath não abandona esse espaço mais do que em duas ocasiões ao longo do romance; em ambos os casos, curiosamente, ele o faz atendendo ao convite de uma mulher, Angelina, pois vai à catedral após receber uma nota em que esta dama lhe pede ajuda, e posteriormente a acompanha em um passeio de carro no único episódio em que se pode vislumbrar certo erotismo na obra. É esta excursão precisamente que culmina no passeio em que Pernath se perde pela cidade e chega à Casa da Última Lanterna.
Ambos os lugares, tanto a catedral quanto a casa, cumprem, no entanto, uma função transcendental, pois ambos servem a ritos de caráter religioso: o católico e o alquimista. Daí que, graças a essa função, se tornem testemunhos de uma realidade transcendente, suprahistórica. A catedral e a rua dos Alquimistas são também espaços que o narrador visita no marco: é precisamente na catedral onde ele pega o chapéu errado e na rua dos Alquimistas a obra é finalizada. Da perspectiva da narração que está dentro do marco, ambos os lugares contribuem para demonstrar o caráter fictício do sonho, pois o narrador não viu esses lugares sendo Pernath, mas sendo ele mesmo. Da perspectiva do marco, os dois evidenciam a possibilidade do sonhado, pois, como se o tempo não tivesse transcorrido (na realidade o sonho não dura mais de uma hora), o narrador encontra no final do romance Miriam e Pernath tão jovens quanto no sonho, embora nele tenham transcorrido trinta e três anos. Ou seja: a realidade dá lugar à ficção e vice-versa, até criar uma amálgama tal, em que o leitor não consegue distinguir com clareza se está em uma ou em outra.
Em consonância com o gosto da época pela análise do interior do eu dos personagens, é interessante o fato de que, dentro do gueto, Pernath tenta encontrar lugares onde se sinta sozinho, embora muitas vezes esses lugares também pareçam procurá-lo: do quarto onde mora, um corredor desconhecido, através de um alçapão localizado no quarto ao lado, leva a um quarto sem porta, onde ele se encontra completamente sozinho e esquecido do mundo. Mas os sete meses que o protagonista passa na prisão são a prova mais evidente desse isolamento que se mostra novamente como voluntário, pois quando lhe é oferecida a oportunidade de escapar, ele não a aceita e acaba convencendo o emissário do "Batalhão" a deixá-lo ali e não tentar libertá-lo. No entanto, essa decisão lhe custa caro, pois quando, finalmente, é libertado pelas autoridades, Pernath perdeu completamente o status social que havia alcançado e seu entorno desapareceu, situação que o mergulha novamente na mais absoluta solidão: o gueto foi saneado, sua casa demolida e todos os seus conhecidos emigraram em diferentes direções. O fato de que, em seu desespero, ele acabe se hospedando no quarto de um hotel localizado logo acima do lendário quarto sem porta é apenas a corroboração da impossibilidade de realizar seus anseios: o fato de ele voltar ao mesmo lugar é apenas a repetição dessa impossibilidade. Ele, que já havia estado uma vez naquele quarto sem porta, acaba vivendo logo acima dele, e se alegra com essa casualidade ao compreender que o que ele acreditava ser um sonho é, ao contrário, uma realidade.
O isolamento também pode ser percebido em outra dimensão: os três amigos de Pernath, Zwakh, Vrieslander e Prokop, comportam-se com ele como se ele não conhecesse a cidade de Praga. É sobretudo Zwakh que lhe conta lendas, as lendas do golem, de Babinski, do Batalhão do doutor Hulbert, lendas que aparentemente qualquer um que viva no gueto conhece, lendas que pertencem a uma mitologia popular coletiva, do passado histórico ou lendário de Praga, e que seus amigos consideram necessário contar a Pernath, pois ele parece jamais tê-las ouvido. Mas esse desconhecimento do passado coletivo concorda com o desconhecimento de seu próprio passado pessoal, e é curioso que sejam precisamente os três que involuntariamente esclareçam a Pernath tudo o que diz respeito ao desconhecimento de seu próprio passado: enquanto o julgam adormecido e embriagado pelos efeitos de um ponche, Zwakh conta ao resto do grupo como anos atrás um médico havia lhe pedido para cuidar dele, pois durante um longo período de tempo ele havia estado internado em um manicômio, de onde acabava de sair. Mas é precisamente essa carência de passado que lhe permite confundir-se com Pernath e fazer com que o leitor acredite também na possibilidade de que ambos sejam a mesma pessoa. A confusão do nome, da identidade em definitivo do narrador, é o que determina os efeitos fantásticos do romance. O nome de outra pessoa é o que lhe abre outra perspectiva do mundo. A casualidade e a arbitrariedade com que o narrador consegue esse outro nome simplesmente graças à confusão do chapéu marcam a posição do falante inominado: o nome que um sujeito busca é impessoal, mas pressupõe ao mesmo tempo um envolvimento pessoal do narrador. O nome possui força suficiente para evocar o outro, para experimentá-lo como presente, uma capacidade de evocação através da qual é possível verificar que o nome, isto é, a palavra, parece possuir em si forças mágicas, representar outro ser. O nome não aponta nada nem ninguém, mas conjura. E nesse uso evocativo do nome, da palavra, reconhece-se perfeitamente o significado que a literatura tem para seu autor: Meyrink Meyrink Meyrink, Gustav (1868-1932) denomina sua obra como "magia", "sugestão", pois o que pretende com ela não é mais do que "despertar imagens, ideias, ocorrências".
O protagonista começa a recordar sua juventude perdida a partir de uma carta que Angelina lhe envia, na qual ela menciona ter conhecido seu pai. Quando os dois se encontram na catedral, ela o lembra de como se despediram quando crianças; desde então, a jovem guarda um coração vermelho que havia comprado para lhe dar de presente como lembrança de despedida e que, no entanto, não se atreveu a entregar por pura vergonha. A próxima lembrança ressurge após sua estadia no quarto sem porta: lá ele descobre alguns naipes que ele mesmo pintou quando criança e que o fazem recordar sua velha escola. O caminho de volta ao passado termina no momento em que Pernath, depois de sair da prisão, compra de um antiquário um coração vermelho com uma fita de seda, que ele reconhece como o coração que Angelina havia querido lhe dar naquela ocasião. E assim, na mesma medida em que ele vai redescobrindo seu passado, os perfis do golem vão ficando cada vez mais claros e o significado dessa aparição, a princípio enigmática, vai se preenchendo cada vez mais de conteúdo. O golem aparece primeiro na forma de um cliente mudo que lhe traz um livro para restaurar e, uma vez que Pernath percebe a força visionária do livro, ele se introduz em sua figura como se fosse um molde. Logo depois, ele ouve a lenda dos lábios de Zwakh e o significado que diferentes homens e épocas lhe deram, e pouco depois, o arquivista Hillel, bom conhecedor da Cabala, completa as lendas populares ao relatar tudo o que ele sabe diretamente a Pernath. O segundo encontro com o fantasma ocorre no quarto sem porta: aqui ele já aparece como seu duplo e não como um personagem estranho. Ao se encontrar com o fantasma sem cabeça, Pernath interage diretamente com o personagem, que se dirige a ele. Mas o mais interessante, se possível, é que cada um dos encontros com o golem é sempre precedido pelo encontro com uma mulher: primeiro é Rosina, que Pernath vê no pátio; antes de ver Hillel, que lhe revela uma experiência pessoal com o golem, são as prostitutas do Loisitschek; após uma conversa sobre as maravilhas da Cabala com Miriam, ele se encontra com o fantasma que lhe oferece os grãos; após o passeio de carro com Angelina, ele chega à Casa da Última Lanterna e, por último, antes do encontro final, ele reconhece o coração vermelho de Angelina.
No que se refere às personagens femininas, Rosina aparece representada como uma jovem de sexualidade precoce, que se torna uma ameaça para os homens, enquanto a imagem positiva da mulher, representada por Miriam, aparece na obra apenas como um pálido reflexo do clichê da mulher boa. E embora o protagonista rejeite vivamente em sua razão a imagem da mulher negativa, na realidade ele se sente seduzido e arrastado por ela, neste caso, evidentemente, por Angelina. Por tudo isso, surpreende e alivia tanto encontrar algum vislumbre de amor nesta obra, e não é um, mas vários os amores que Athanasius vive: o de Angelina, que representa um amor juvenil e passado que o protagonista ainda anseia e pelo qual sofre na nebulosa de sua falta de memória; o de Rosina, a promíscua ruiva vizinha de Athanasius, que representa o amor presente e carnal, a mulher maléfica a quem, no entanto, ele não consegue resistir; e por último o de Miriam, o amor puro que está por vir, o amor da mulher honesta, espiritualmente entregue às suas crenças, o único amor que tem a capacidade de redimir Pernath. Em qualquer caso, a função das mulheres no texto não é destacável, pois atuam apenas como catalisadores para que o protagonista consiga escalar um nível a mais em sua consciência.

