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Jordi Rosado: Ulisses no divan

quinta-feira 26 de junho de 2025

Carl Jung Jung Carl Jung (1875-1961) leu o romance Ulisses, de James Joyce Joyce James Joyce (1882-1941) , e depois escreveu um amargo ensaio sobre sua experiência com esta obra. Escreveu, por um lado, uma excêntrica análise junguiana do romance e, por outro, um panorama emocional de sua experiência como leitor, da irritação e do desconcerto que lhe causou sua leitura esforçada de Ulisses, em sua «décima edição inglesa, de 1928», como nos faz notar.

«Não existem nestas 735 páginas, tanto quanto minha vista alcança, nenhuma repetição sensível, nem um único oásis bem-aventurado onde o leitor sobrecarregado, embriagado de lembranças, possa sentar-se e contemplar com satisfação o caminho percorrido.»

Jung Jung Carl Jung (1875-1961) , o leitor sobrecarregado, já havia escrito seu ensaio Quem é Ulisses?, quando James Joyce Joyce James Joyce (1882-1941) , que já então escrevia sua [esta sim] inexpugnável novela Finnegans Wake, foi visitá-lo para fazer uma consulta sobre a saúde mental de Lucía, sua filha, que anos depois, em 1962, morreria psicótica em uma clínica suíça. Mas então Lucia sentava-se para trabalhar com seu pai, e enquanto Joyce Joyce James Joyce (1882-1941) escrevia seu romance, ela ia confeccionando, também por escrito, sua própria versão do Finnegans Wake. Lucía enchia um folio após outro de episódios de caótica, onírica, exaltada e transbordante imaginação, elementos que compartilhava com o Finnegans Wake que estava escrevendo seu pai. Jung Jung Carl Jung (1875-1961) leu as folhas que a moça havia escrito, fez um diagnóstico psiquiátrico e escreveu a James a resposta à questão concreta que lhe havia sido feita. Joyce Joyce James Joyce (1882-1941) lhe dissera que sua filha escrevia igual a ele; ao que Jung Jung Carl Jung (1875-1961) respondeu: «mas lá onde o senhor nada, ela se afoga».

Jung Jung Carl Jung (1875-1961) tocou com esse diagnóstico o coração da literatura, essa arte onde um louco de remate passa, graças à magia da escrita, por um respeitável novelista.

O próprio Joyce Joyce James Joyce (1882-1941) se explicava a si mesmo com esta ideia: «podemos chegar, tocar e ir embora a partir de átomos e suposições, embora estejamos destinados a ser apenas possibilidades sem fim».

Mais adiante, em seu ensaio sobre Ulisses, Carl Jung Jung Carl Jung (1875-1961) aponta: «Que opulência e que… tédio! Joyce Joyce James Joyce (1882-1941) me entedia até arrancar-me lágrimas, mas é um fastio irritante, perigoso, como não poderia produzir nem mesmo a trivialidade mais enfadonha».

Na metade de seu ensaio o psiquiatra deixa ver o ponto de vista desde o qual analisa o romance de Joyce Joyce James Joyce (1882-1941) : «com toda ingenuidade suponho que um livro quer me dizer algo e que deseja fazer-se compreender; evidentemente, um antropomorfismo mitológico projetado sobre o objeto, sobre o livro». Jung Jung Carl Jung (1875-1961) leu Ulisses como se tivesse o romance deitado no divã, desde um ponto de vista psiquiátrico que mais adiante em seu ensaio quando, apesar do tédio, consegue chegar ao final do romance, [nos] descobre que «se abre caminho através das nuvens uma luz salvadora plena de pressentimentos» e sugere que «pode desatar os espiritualmente atados» e que em Ulisses «com ácidos, vapores venenosos, frios e ardores, se destila o homúnculo de uma nova consciência universal».

A homenagem de Jung Jung Carl Jung (1875-1961) a Joyce Joyce James Joyce (1882-1941) é obscura, mas comovente: o psiquiatra que senta a obra no divã, e a encontra psicótica, esquizofrênica, louca e apesar disso, ou talvez por isso, a dá de alta, a envia de volta com seus leitores, certifica que longe de afogar-se, pode nadar.


[Preámbulo: Ulises en el diván. JORDI ROSADO, 5 de diciembre de 2011]