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Joël Thomas – Três estatutos da palavra
domingo 29 de junho de 2025
Foram muito bem descritos por Marcel Détienne em Les Maîtres de vérité dans la Grèce archaïque (Paris, Maspero, 1967): em um percurso antropológico que confirma aliás uma estrutura duméziliana, a palavra é primeiro oracular, Logos, Verbo que o sacerdote comemora como palavra das Origens, do illud tempus, do tempo mítico e fundador que irriga o tempo dos homens. Esse sacerdote é ao mesmo tempo investido de uma função real: o rei é, indissociavelmente, mestre do oráculo e mestre do poder.
Depois observa-se um primeiro desvio: o oráculo cai em desuso, e seus detentores são envolvidos em um circuito de competição guerreira. Então, a palavra, o relato da gesta assumem outro sentido: comemoração dos grandes feitos, conferem aos senhores da guerra a imortalidade na memória dos homens. A glória substitui o sagrado. O aedo perde então muito de seu prestígio: técnico do louvor, não passa de um servo; mas um servo indispensável, pois sem ele o guerreiro, por mais valoroso que seja, cai no esquecimento. Nota-se que os laços do aedo com o sagrado se esmaecem: ele não é mais ministro da Palavra divina, visitado pelas Musas, mas simples técnico.
É uma etapa transitória, que nos encaminha para o terceiro estatuto da palavra na sociedade grega: depois do estado teocrático, depois do poder dos senhores da guerra, chegamos à democracia. E, na república, a palavra é de todos, ès méson, no meio da ágora. Doravante, ela pertence ao mais hábil, ao melhor técnico, e aquele que detiver o poder será o melhor manipulador do discurso. Nesse contexto, não há referencial transcendente, nem memória das Origens. Aléthéia, a verdade (definida etimologicamente de forma significativa como a-léthéia, o não-esquecimento), é substituída por Peitho, a arte da persuasão. E o Logos originário torna-se logos, discurso do pensamento racional. É o reinado dos sofistas e dos advogados. Demóstenes, Cícero eram ao mesmo tempo os melhores advogados e os maiores políticos de seu tempo.
Compreende-se que haja, de certa forma, ao longo dessa evolução histórica, uma forma real de descoroamento do pensamento mítico, em favor de um pensamento racional, utilitário, eficaz. Mas, mais uma vez, as coisas não são tão simples. Em uma fórmula célebre, Claude Lévi-Strauss deu um excelente panorama ao definir os gregos como "de duas cabeças" (R. Bellour e C. Clément, Claude Lévi-Strauss. Textes de et sur Lévi-Strauss, Paris, 1979, p. 175-176): uma cabeça para o discurso racional, outra para o discurso mítico, e isso – ao contrário do que observaremos em nossas sociedades europeias – sem tensão nem conflitos.
O pensamento grego, no entanto, tem dificuldade em distinguir o mythos do logos. Em Platão, e ainda em Plutarco, muito apegado a uma forma de tradição, "a margem de encantamento não impede a primazia concedida ao ensino racional" (Y. Vernière, Symboles et mythes dans la pensée de Plutarque, Paris, Les Belles Lettres, 1977). Essa incerteza semântica em torno do mythos repete-se em torno de seu equivalente latino, fabula, que deriva de fari, "dizer", e que pode assumir quatro valores semânticos muito diferentes (mas coerentes em relação ao nosso tema): conto inverossímil, mentira, relato mitológico ou ficção filosófica.
Para enxergar melhor, a descrição dada por Georges Gusdorf em Mythe et Métaphysique (Paris, Flammarion, coll. "Champs", 1987) mantém seu valor, desde que se definam bem os estados do mito que ele propõe: como sistemas de representação e não como etapas históricas. Gusdorf distingue três estados de consciência da humanidade, que substituem a lei dos três estados de Auguste Comte, segundo a qual, lembremos, a humanidade passaria de maneira contínua da idade teológica à idade metafísica, depois à idade positiva:
1. A consciência mítica, como estrutura do ser no mundo. Ela surge desde a pré-história. É uma relação com o mundo que tende a integrar o sujeito no ritmo do cosmos. Nesse contexto, e na medida em que, desde o nascimento, a existência é percebida como trauma de separação (ex-sistência significa etimologicamente "secessão"), a experiência mítica tem a função de reintegrar o homem no universo. O mito é, portanto, antes de tudo, liturgia de repetição e imitação. Um objeto, um ato só têm "realidade" na medida em que imitam ou repetem um mito fundador. Nesse contexto, só o mito é então princípio de realidade;
2. A consciência intelectual: corresponde à passagem da pré-história à história, de uma consciência "an-histórica" a uma consciência na história e no tempo. Essa passagem se resume em duas aquisições principais: a descoberta da universalidade, que coincide com o aparecimento dos grandes impérios mediterrâneos; e a descoberta da personalidade, coincidindo com uma transferência ontológica que passa da exterioridade dos mitos comunitários à interioridade da consciência de si. Essa descoberta contém em si mesma seu próprio limite; pois, uma vez que se coloca como consciência, o ego vai se fascinar por si mesmo. A literatura é um observatório privilegiado dessa síndrome de Narciso, que vai marcar a civilização da Europa ocidental, sendo que a noção de mito literário emerge então no ápice desse debate. Ao mesmo tempo, esse surgimento é acompanhado por uma nova responsabilidade, assinalada por Eric R. Dodds, em sua obra clássica Les Grecs et l’Irrationnel (Paris, Aubier-Montaigne, tr. fr., 1965; rééd. Flammarion, coll. "Champs"): ao mesmo tempo que o homem se torna artífice da verdade, torna-se culpado do erro. A perda do lugar ontológico garantido pelo mito é sentida como uma transgressão geradora de angústia. Serva-mestra, a razão só pode reprimir seu medo em uma fuga para frente: autojustificando-se e reprimindo ela mesma o mito. A psicanálise nos esclareceu sobre esse retorno do reprimido. Daí um terceiro momento:
3. A consciência existencial, como "reconciliação" e forma de assumir o retorno do reprimido, reintegrando o mito, através dos estudos de Lucien Lévy-Bruhl, depois Carl Gustav Jung Jung Carl Jung (1875-1961) , Gaston Bachelard, Gilbert Durand Durand Durand, Gilbert (1921-2012) , Edgar Morin. Bachelard insistirá particularmente na reintegração do corpo, mediador entre o cosmos e a psique. Ora, nesse trabalho de mediação, o relato mítico desempenha um papel terapêutico. A razão separa, explica (explicare, colocar em plano: a síndrome de Procusto...), reprime. O mito, por sua vez, é ao mesmo tempo obscuro e claro. Acalma a consciência ao expressar a angústia, depois transformando-a por meios apropriados. Na perspectiva mítica, e ao contrário da perspectiva intelectual, a angústia faz parte do homem. O itinerário e as provas de Eneias, na Eneida Eneida , o grande mito fundador da romanidade, são um bom exemplo (cf. J. Thomas, Structures de l’imaginaire dans l’Enéide, Paris, Les Belles Lettres, 1981). Outro ponto forte desse trabalho de "reconciliação", enfim: sua vocação para a polissemia – a psicanálise diria: para a sobredeterminação – que permite a cada um compreendê-lo em sua própria linguagem.


MONNEYRON et THOMAS. Mythes et littérature. Que sais-je? Paris: PUF