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Jean Richer – Swift, houyhnhnm = cavalo?
domingo 6 de julho de 2025
Somos agora conduzidos a nos perguntar o que significa a palavra houyhnhnm que designa o cavalo em Swift Swift Jonathan Swift (1667-1745) .
Se estabelecermos a lista das palavras da língua houyhnhnm figurando na quarta viagem de Gulliver, chegamos bastante rápido à conclusão de que, como já assinalado, os cavalos falam uma língua germânica, mais próxima ainda do inglês que do alemão, com a adição de um número suficiente de agrupamentos yl, hl, hn, hm, para dar ao seu léxico o aspecto relinchante e a pronúncia equina requeridos. É preciso mencionar também alguns raros empréstimos ao latim ou ao francês. Aliás, o autor toma sempre a precaução de traduzir ou de subentender a tradução das palavras que inventa. Não há portanto, propriamente falando, deciframentos a fazer, mas transposições a efetuar, aplicando a regra 34 da Ars Punica, citada acima.
Eis nossa tentativa de interpretação do vocabulário houyhnhnm [1]:
Capítulo I: Hhuun > kun > come (vem).
Capítulo II: Hlunnh > hunch (ou lunch).
Palavra que, no século XVIII, empregava-se para designar um pedaço de pão (ou de carne). O New English Dictionary de Murray indica um exemplo de hunch (a great hunch) datado de 1790, com o sentido de pedaço de pão e um emprego de lunch (I clapp’d a good lunch of bread into my pocket) com o mesmo significado, tirado de uma tradução de Quevedo por J. Stevens, de 1707. É somente no século XIX (o primeiro exemplo de Murray é de 1829) que lunch designou a refeição do meio-dia.
A tradução swiftiana de Hlunnh por aveia é uma facécia: a aveia é o pão dos cavalos, o essencial de sua refeição.
Capítulo V: gnnayh, ave de rapina (a palavra tem o aspecto exterior de gaio e está sem dúvida ligada ao radical to gnaw, alemão nagen an, roer).
Capítulo VII: hnea-yahoo, mal do yahoo (com um prefixo construído sobre nada).
Capítulo VIII: Luhimuhs, rato selvagem, como supunha judiciosamente o Sr. Las Vergnas, deve vir de Louismouse (o nome do rei da França Luís XIV, inimigo dos ingleses, tornando-se um adjetivo com o sentido de "selvagem").
Capítulo IX: em ylnhniamshy que, nos diz Swift Swift Jonathan Swift (1667-1745) , significa aborígene, lemos: I am shy (Tenho medo, sou medroso). O mesmo capítulo nos fornece ainda várias palavras da pretensa língua dos cavalos: shnuwnh que significa morrer assemelha-se singularmente a to swoon (desmaiar), embora Swift Swift Jonathan Swift (1667-1745) transcreva gravemente: regressar ao seio de sua mãe originária (to retire to his first mother).
Hhnm significa servo, voltaremos a isso.
Whnaholm significa criança e poderia vir de wee-(at)-home (o pequeno em casa).
Segundo o contexto: ynlhmndwihlma quer provavelmente dizer o tempo que faz (weather). Lemos ali ill-will (má vontade), da divindade sem dúvida...
A presença do d pode também fazer pensar em ill wind (mau vento no sentido de mau tempo, como sugere nosso amigo Brian Juden).
Enfim, em ynholmhnmrohlnw, traduzido por "casa", encontra-se a raiz borne (como acima, em whnaholm) e o alemão Roh (Roh-bau alvenaria).
A única frase transcrita inteira é Hnuy ilia nyha majah yahoo, traduzida por "Take care of thyself, gentle yahoo" (Cuidado contigo, bom yahoo). Propomos uma tradução "palavra por palavra" indo-europeia que seria "Nuis (à toi) n’y a maha yahoo" onde os elementos franco-latinos dominam. Majah sendo grego (mega) ou sânscrito.
Vê-se portanto que a língua dos bons cavalos, como o hitita, é uma língua indo-europeia, mas ela participa também de um "pequeno negro" anglo-latino-germânico e desse "javanais" que os escolares franceses falam entre si acrescentando av diante de todos os agrupamentos vocálicos ou das vogais isoladas. Certas línguas africanas, dizem-nos, comportam assim a adição no interior das palavras de sílabas puramente eufônicas, todas semelhantes entre si, e desprovidas de significação.
Reservamos a decifração do nome mesmo dos houyhnhnms, porque só ele justificava nossa tentativa de interpretação. Pode-se aproximá-lo de Hhnm (servo). Se, como anteriormente, suprimirmos os agrupamentos de letras arbitrariamente acrescentados:
houyhnhnm torna-se houm Hhnm torna-se H-m
o que põe em evidência a palavra homo ou homem.
Temos portanto na Quarta viagem de Gulliver o par seguinte:
yahoo = manure = esterco [2]
houyhnhnm = man = homem
Mas quem não vê que em manure há man, e acontece que a palavra vem do latim manoperare e comporta, de fato, uma alusão direta à mão que caracteriza o homo faber.
Ora, essa aproximação de termos não faz mais que transpor uma distinção que parece ter sido familiar aos teólogos. É assim que se lê num sermão de Mestre Eckart [3]. "Assim o homem (homo) chama-se assim do nome da terra (humus) donde deriva igualmente o da humildade."
Ora, o capítulo VII da viagem onde os costumes e os vícios dos yahoos são descritos por Swift Swift Jonathan Swift (1667-1745) , não sem algum excesso de complacência pré-sádica [4] traz como subtítulo: "his masters’s observations upon human nature" o que engloba a humanidade inteira na reprovação expressa pelo virtuoso houyhnhnm. Gulliver, como também os contemporâneos de Swift Swift Jonathan Swift (1667-1745) , admitem sem dificuldade que o yahoo é uma representação bastante fiel do homem. Será preciso esperar Thackeray e a pudicícia do século XIX inglês para que se eleve uma protestação que, tardia, não é menos veemente.
A empresa do autor parece bem ter sido a de humilhar o homem para humanizá-lo, lembrando-lhe que não é mais que argila, menos ainda: terra mole e fétida, esterco... Mas não é sobre o esterco que crescem as mais belas flores [5]?


RICHER, Jean. Aspects ésotériques de l’œuvre littéraire: Saint Paul, Jonathan Swift, Jacques Cazotte, Ludwig Tieck, Victor Hugo, Charles Baudelaire, Rudyard Kipling, O.V. de L. Milosz, Guillaume Apollinaire, André Breton. Paris: Dervy-livres, 1980.
Gulliver’s Travels (1726). Delphi Complete Works of Jonathan Swift
[1] O deciframento das línguas da terceira viagem deve ser estudado à parte. Parece bastante complexo, talvez porque a Viagem a Laputa e às regiões vizinhas foi escrita depois da quarta viagem (como resulta de uma carta a Ford datada de janeiro de 1724). Assinalemos todavia que a ilha voadora movida pela pedra de magnetita ou pedra de magnésia está acima do Banho-Maria (ou Banho de Mar, sugere o Sr. Canseliet) — se Balnibari vem de Balneum maris, cuja capital é Lagado, isto é, A lama, outro nome da argila, matéria-prima do homem. (Veja o léxico do volume das Obras de Swift da Biblioteca da Pléiade.)
[2] A tradução exata de esterco em inglês é "liquid manure".
[3] "Um homem era rico", Obras alemãs e latinas, tomo IV, A Revista da Mesa Redonda, janeiro de 1945.
[4] Lembremos a esse propósito as observações de Aldous Huxley em Do what you will (1929) onde se lia: "Para Swift, o encanto do país dos Houyhnhnms residia, não na beleza e na virtude dos cavalos, mas na abjeção dos homens aviltados (foulness of the degraded men)".
[5] Deixamos a mais capazes o cuidado de decidir se os yahoos são esterco de cavalo no sentido da Quarta chave de Basile Valentin. (Veja a bela reedição das Doze chaves desse autor providenciada pelo Sr. E. Canseliet nas Edições de Minuit.)