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Huxley – Seus eus suados...

quarta-feira 2 de abril de 2025

Aldous Huxley Huxley Huxley, Aldous (1894-1963) . Moksha

Como todas as outras doenças, a tensão tende a estreitar a consciência do paciente até que, em casos extremos, ele só tem consciência de si mesmo. Doenças graves modificam profundamente a personalidade de suas vítimas. Para essa personalidade modificada, a diminuição produzida pela doença logo chega a parecer quase normal, e é aceita como natural. A tensão não é uma doença severa, e aqueles que sofrem de tensão estão suficientemente bem para sentir e sofrer do restritivo egocentrismo imposto a eles por sua desordem psicossomática. São como aquelas almas perdidas cujo castigo é, nas palavras do grande poeta católico Gerard Manley Hopkins, “serem seus eus suados, mas piores”. A vítima da tensão sabe e é agudamente afligida por sua sensação de ser seu eu suado, mas pior. E aqui podemos declarar que mesmo pessoas saudáveis são frequentemente afligidas pela percepção de que estão condenadas a ser os indivíduos separados, isolados, que elas são tão inescapavelmente. Os neuróticos detestam ser seus eus suados, mas piores. As pessoas normais detestam ser seus eus suados, ponto final. Um dos sintomas mais desagradáveis da tensão é simplesmente a aflição normal de ser um universo-ilha elevado, por assim dizer, a uma força maior. O homem é um egoísta que adora a si próprio, mas um egoísta que frequentemente sente um intenso desagrado pelo objeto de sua adoração idólatra. Correlacionado com esse desagrado pelo adorado ego, existe em todos os seres humanos uma necessidade de autotranscendência, um desejo de escapar da prisão da personalidade, uma ânsia de tornar-se outra coisa e maior que o Eu tão conhecido, uma suscetibilidade à nostalgia por um mundo superior, ou pelo menos diferente do universo entediante ou doloroso da realidade cotidiana. O homem religioso tem atribuído esse impulso universal para a autotranscendência a uma ânsia inata e profunda pelo divino. O biólogo vê o assunto de maneira um tanto diferente, e atribui o desejo do homem à autotranscendência aos efeitos de seu gregarismo inato. O indivíduo ânsia por misturar-se ao rebanho, mas ele é egocentrista demais para ser capaz de sustentar a tentativa durante muito tempo. Portanto, ele fica condenado a viver num estado de insatisfação crônica, ansiando constantemente por algo que, na própria natureza das coisas, ele nunca pode ter.