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Swedenborg me parece sujeito de transformações interiores (Valéry)

terça-feira 15 de abril de 2025

Swedenborg me parece hoje o exemplo e o sujeito de uma das mais notáveis e completas transformações interiores, realizada em muitas etapas, no curso de cerca de sessenta anos. Essa transformação de uma vida psíquica, observada e rastreada através da sequência cronológica dos escritos, é a de um homem de vasta cultura, primeiramente definível como sábio e filósofo, semelhante aos conhecidos sábios e filósofos de seu tempo, que imperceptivelmente se transforma em místico, por volta dos quarenta anos. Primeira modificação, aliás suficientemente preparada pela primeira educação do sujeito, pela mística de seu pai e pelo ambiente de suas primeiras impressões. No entanto, como passar de uma visão mecanicista do mundo e dos hábitos do espírito adquiridos na prática de observações precisas da ciência natural à meditação de origem teológica, à fixação do pensamento em questões derivadas das Escrituras e da tradição, como se opera esse deslocamento de valores? Mas aqui trata-se ainda de uma transposição da atenção ordinária de um objeto para outro; certo uso do pensamento teórico substitui-se a outro. Ora, um pouco mais tarde, uma alteração mais rara e profunda se anuncia: da fase teórica e especulativa, ocupada por raciocínios sobre o dogma da queda ou sobre a natureza dos Anjos, Swedenborg avança para outro estado, no qual não são mais apenas as ideias que estão em jogo, mas o próprio conhecimento. À fase teórica sucede uma fase na qual se produzem eventos interiores, que não têm mais o caráter puramente transitivo e possível do pensamento ordinário, mas introduzem na consciência sentimentos de potências e presenças que são outras que não as do Eu, que a ele se opõem não como respostas ou argumentos ou intuições ordinárias, mas como fenômenos. Vê-se então como a dissertação e a dialética são substituídas pelo relato e pela descrição; quer dizer, as condições e modalidades da pesquisa intelectual — a dúvida, a formação da pluralidade dos possíveis, a escolha, a demonstração, etc. — são destronadas diante de uma percepção que traz certeza imediata e invencível. Essa espécie de certeza não é comparável à expressa pela palavra Evidência: a evidência, em suma, é uma reação de nosso espírito na qual nos reconhecemos, assim como a certeza mística é de natureza semelhante à impressão de existência independente de nós, que normalmente nos conferem os objetos e corpos sensíveis que se impõem na medida em que os percebemos como estranhos. Eis porque essa introdução de potências e presenças de que acabo de falar pode ser considerada como a formação de uma segunda "realidade" ou segunda ordem, e a posse de tal dupla multiplicidade de fatos define o estado do místico.