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Sampaio Bruno – Deísmo
segunda-feira 24 de março de 2025
Sampaio Bruno Sampaio Bruno , A Ideia de Deus, pp. 389-391 e 398-399.
No princípio era o Tempo, homogêneo, infinito, contínuo, imutável, absoluto, necessário. Tal seja puramente a noção do escólio, preambularmente apenso por Newton às definições basilares dos princípios matemáticos da sua filosofia natural: «Tempus Absolutum, verum, et mathematicum, in se et natura sua sine relatione ad externum quodvis, aequabiliter fluit, alioque nomine dicitur Duratio.» Não é um atributo de Deus. É (como a acessível forma única originária da ideia suprema mesma) Deus.
Este homogêneo, contínuo, infinito, absoluto, necessário não permanece porém. E este é o mistério indecifrável: porque e como é que isto foi. Mas o homogêneo não permaneceu; assim, no nosso mundo, para os fins derivados, o conceito fundamentário da filosofia natural, o primeiro princípio dos primeiros princípios de Herbert Spencer, o motivo e a causa da evolução é a «instabilidade do homogêneo». Também, no segundo momento do começo, o homogêneo diferenciou-se, diversificou. Uma parte do Tempo alterou; restou, pois, Tempo puro, mas diminuído da outra parte, que é Tempo alterado. Tempo alterado ou Espaço, que chamaremos.
O Espaço é que já não é absoluto, porque é derivado, está condicionado ao Tempo puro de que procedeu. O Tempo puro inicial, completo, Deus, é a Eternidade; e o Espaço é que se não conserva «similare et immobile».
Como o Espaço é a introdução do heterogêneo, o Espaço não pode ser semelhante, porque não seja o lugar dos corpos, mas sim o conjunto deles mesmos. Uma matéria subtilissima existe, como a concreção primária do Tempo, Espaço chamada; esta matéria subtilissima conglomera-se em certos pontos, de ossificação à laia. Constituem-se assim os elementos naturais; a matéria originária é a contiguidade do átomo primo, em número indefinido. Mas um sistema de agrupados átomos, compondo dessa arte um elemento molecular autônomo (consoante o número de átomos ou a sua disposição), não está em lugar do espaço, como se este lhe fosse estranho. Ele mesmo, esse sistema de átomos primos, é coisa e lugar. Conformemente, nas oriundas realidades concretas — sempre o lugar será simultaneamente coisa.
Na distinção forçada daquelas duas ideias inseparáveis é que residem todas as confusões. Afirmar a objectividade do espaço: eis, pois, a cláusula imprescindível da inteligibilidade.
Em que consistiu a diversificação do homogêneo inicial, isto é, do Tempo? Que é que faz que o Espaço seja Tempo alterado? Que é o que há a mais no Espaço que não havia no Tempo puro, isto é, na Eternidade? É a extensão. [...]
Da conclusão geral de minha inquirição filosófica resulta, pois, esta dupla:
— O Dualismo é falso, porque a criação é um absurdo. E a criação é um absurdo, porque do Nada não se pode dizer: «O Nada é.» Isto contradiria o princípio de identidade. Seria, na notação corrente, a equação algébrica absurda: 0 = A. Sim. O Nada não é. O Nada é sujeito que só tem por predicado o mesmo sujeito: «O Nada é Nada» (0 = 0, expressão truística de estéril axioma, redundante na completa indeterminação da questão, pois que da fórmula sua representativa, pela passagem do segundo termo, sabidamente 0/0 é não só 0, mas ainda todo o possível de 1 a ∞ isto é, para o caso da unidade inicial do heterogêneo diversificado à substancialidade homogênea, quer dizer da Criatura ao Criador, do Universo a Deus). Ou: «O Nada não É» (0<>0, expressão que, divergindo, indica por isso a necessidade de caminho diferente e que, tal como aparece, é a fórmula de teorema inderivado e sem corolário, visto como nela desapareça a relacionação entre 0 e A, isto é, no lance, entre o nada e a existência, que era precisamente o que se buscava pela hipótese correlacionante da Criação).
— O Monismo é falso, porque ou é irreal ou irracional. O Monismo é ateísta? É falso, porque o universo, só por só, desde que não há Deus, é ininteligível, visto como, resolvendo-se em ciência, consoante efectivamente se resolve, mostra ser um sistema de ideias, as quais, na hipótese, emergiriam então do nada. O Monismo é panteísta? É falso, porque a imanência substancial do Absoluto (ou Deus) no universo não se coaduna com a evolução progressiva do mesmo universo, onde cada momento de progresso nega o anterior, por insuficiente, quando a substancialidade divina teria de ser, sob pena de contradição no lema basilar, a quietude da perfeição.

