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Lacou-Labarthe (Scène) – presentação

quarta-feira 23 de novembro de 2022

Para simplificar, e isso é sem dúvida abusivo: ou se diz, ao se falar de apresentação – é o que Heidegger tenta dizer nos anos 1930 ao retomar a “notável fatalidade” que domina “toda teoria da arte e toda estética” desde os Gregos (Platão) até os nossos dias (Hegel e seus sucessores): a arte não apresenta nada, no sentido de uma “apresentação de algo suprassensível numa matéria sensível submetida a uma forma”; ou, se apresenta, ela apresenta apenas que há – presença. Cito uma das versões de A Origem da Obra de Arte: “A obra de arte nunca apresenta nada, e isso por esta simples razão de que ela não tem nada a apresentar, sendo ela mesma aquilo que cria, antes de tudo, o que entra pela primeira vez graças a ela no aberto.” Em outras palavras, a arte é a apresentação da pura Dassheit, uma apresentação absolutamente paradoxal (a possibilidade do impossível, pensa Schelling Schelling Friedrich Wilhelm Joseph (von) Schelling (1775-1854) ), já que a Dassheit, que não é um impresentável alojado sabe-se lá onde, não se apresenta senão como a presença do que está presente, o que evidentemente não faz dela alguma coisa. (Nesse ponto, imagino, estamos de acordo.) Essa é a interpretação da mimesis que eu chamaria de “maximalista”. Ela pode, sem dúvida, se amparar em alguma formulação muito geral de Aristóteles, no livro B da Física, sobre a relação entre physis e techne, mas certamente não na Poética. E, de resto, ela não permite dizer muita coisa sobre a arte – sobre as obras, sobre o que fazem ou tentam fazer os artistas (o Van Gogh de Heidegger é mesmo desconcertante e nem falo, fiquemos no nosso assunto, de seu desprezo pelo teatro). O que essa interpretação permite simplesmente avançar é que, se não tivéssemos a arte (a techne), se essa graça (kharis) não nos fosse dada, nada teríamos de presente ao nosso redor e nem mesmo estaríamos presentes a – ou melhor, para – nós mesmos, com toda a imensa distância (e imensa proximidade) que isso supõe. Isso já é muito. Mas isso não significa que o “ser” ou a “coisa mesma”, ou o “sentido”, ou a “verdade”, sejam impresentáveis. Eles não podem se apresentar, por definição: permanecem impresentados. Mas que haja entes ou coisas, linguagem ou pensamento, isso é patente – e constantemente apresentado: Heidegger chama isso de “mundo”, e mesmo que eu conteste a conotação histórico-política que ele atribui a essa palavra (que ele utiliza de bom grado no plural, segundo as línguas, os mitos, os deuses, os povos etc.), não posso me dizer em desacordo fundamental: há de fato um mundo quero dizer: um mundo – e a arte, por assim dizer, a apresentação, certamente não é alheia a isso. Numa palavra: o homem é um existente que apresenta. E que, portanto, faz ser. Viva o artista!


Ver online : LACOUE-LABARTHE, Philippe; NANCY, Jean-Luc. Scène suivi de Dialogue sur le dialogue. Paris: C. Bourgois, 2013