Litteratura

Página inicial > Obras e crítica literárias > Matias Aires – Reflexões sobre a vaidade (2)

Matias Aires – Reflexões sobre a vaidade (2)

segunda-feira 7 de julho de 2025

[2] Vivemos com vaidade  , e com vaidade morremos; arrancando os últimos suspiros, estamos dispondo a nossa pompa fúnebre, como se em hora tão fatal o morrer não bastasse para ocupação: nessa hora, em que estamos para deixar o mundo  , ou em que o mundo está para nos deixar, e entramos a compor, e a ordenar o nosso acompanhamento e assistência funeral; e com vangloria antecipada nos pomos a antever aquela cerimônia, a que chamam as nações últimas honras, devendo antes chamá-la vaidades últimas. Queremos que em cada um   de nós se entregue à terra com solenidade, e fausto  , outra infeliz porção de terra: tributo inexorável! A vaidade no meio da agonia nos faz saborear a ostentação de um luxo que nos é posterior, e nos faz sensíveis as atenções que hão de dirigir-se à nossa insensibilidade. Transportamos para o tempo   da vida   aquela vaidade de que não podemos ser   capazes depois da morte  : nisto é piedosa conosco a vaidade; porque em instantes cheios de dor  , e de amargura, não nos desampara; antes nas disposições de uma pompa fúnebre, dá ao nosso cuidado uma aplicação, ainda que triste, e faz com que divertido, e empregado, o nosso pensamento chegue a contemplar vistosa a nossa mesma morte, e luzida a nossa mesma sombra.