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Cristina Campo – Desgraça

sábado 17 de maio de 2025

CCampo1987

É uma descoberta que poucos fazem e talvez seja a única pedra angular sobre a qual podemos apoiar os pés. O reino do sofrimento humano poderia ser dividido entre a desgraça da mão direita e a desgraça da mão esquerda. Os antigos conheciam essas metáforas sagradas, além das quais não há definição possível. A desgraça da mão direita reside na desgraça da mão esquerda, como uma ferida de arma branca está no abraço das areias movediças, na morte por sede no deserto.

A pobreza, o adeus, a perseguição e a própria morte podem ser desgraças da mão direita. Muita poesia floresceu ali, a mais bela. As desgraças da mão esquerda quase sempre permanecem mudas. Poucos correm para contá-las, como Jonas no ventre do Leviatã. É o milagre de Filoctetes e Ricardo II, de Luz de lua e dos últimos versos de Hölderlin, de Um amor de Swann e do Quarto número 5, e daquele soneto milagroso de Gaspara: “Senhor, eu sei que em mim já não estou viva”.

Poucas coisas e a distância de séculos. Como no Fênix, a vida brilha além de suas próprias cinzas.

É verdade, o crítico é um eco. Mas não é também a voz da montanha, da natureza, à qual se dirige a voz do poeta? Não está o crítico diante do seu poeta como o poeta diante dos chamados do seu próprio coração? Por isso, ao falar dele, ele deve já ter sofrido completamente, não como um simples espelho, mas precisamente como um eco: carregado e impregnado de todo o caminho percorrido, na natureza, de uma voz à outra.

A maneira como um poeta obtém de seu trabalho passado novas iluminações para sua consciência se assemelha à maneira como Münchhausen alcançava a lua: cortando a corda abaixo dele para alongá-la acima.

A poesia pura é hieroglífica, decifrável apenas na chave do destino. Durante anos, voltamos extasiados à beleza dos patos, dos arqueiros, dos deuses com cabeça de cão ou de abutre, sem sequer suspeitar da disposição fatal. Quantas vezes repeti alguns versos ou versículos (“Oh, cidade, escrevi-te na palma das minhas mãos”, “Este dia eu respirei pela primeira vez, o tempo chegou...”, “Estar mortos não nos dá descanso”). Mas, em torno de sua posição secreta, até que a própria sorte me deu a chave, eu girava cegamente, como em torno de uma coluna historiada da qual a cada volta se descobre apenas uma figura (o escriba, a serpente, o olho).

Poesia hieroglífica e beleza, inseparáveis e independentes; sentir a justiça de um texto muito antes de ter compreendido seu significado, graças àquele timbre puro que é próprio do estilo mais nobre, que, por sua vez, nasce da justiça. “Minha mente apunhalada e enganada / pelos ladrões dos meus pensamentos / que me prometeram o tempo e não cumpriram...”.

Como na natureza, que é bela apenas por necessidade real, também na arte a beleza é um excedente: é o fruto inevitável da necessidade ideal.