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Cristina Campo – Conto de fada, matéria prima
sábado 17 de maio de 2025
CCampo1987
Sindbad o disse: um conto só opera sobre a matéria-prima da existência, seu campo alquímico natural. É o mistério do caráter – sejam os humores, as estrelas, a herança atávica de outro conto – que até o fim conserva seus traços e só através da repetição dos mesmos erros, do sofrimento das mesmas derrotas, alcança a metamorfose.
De que encantadoras ambiguidades às vezes se sugere esse traço. Ao príncipe caçula, o último dos nove cisnes encantados, a túnica de urtigas que deve desencantá-lo chegará com uma só manga: não houve tempo de terminar a outra... Ele conservará por toda a vida sua asa de cisne; será um daqueles seres que – raros, inquietantes – guardam por toda a vida a memória de sua noite escura e, ao mesmo tempo, de seu totem espiritual: uma dolorosa, régia asa de cisne.
Maturidade, por outro lado, é aquele instante imprevisível, fulgurante e conclusivo que nenhum homem tocará antes do tempo, ainda que todos os mensageiros do céu descessem para ajudá-lo. No conto, é uma sequência de aparições, todas igualmente eloquentes e ineficazes: a pomba, a raposa, a velhinha com o feixe de gravetos. Não pronunciam elas, uma após outra, uma sentença invariável, não reiteram um único aviso? Como não entrever, entre as penas, o pelo vermelho, os trapos, o lampejo azul do vestido da Moira?
Mas maturidade não é persuasão, muito menos fulguração intelectual. É um precipitar-se súbito, biológico, diria: um ponto que deve ser tocado por todos os órgãos juntos para que a verdade possa tornar-se natureza.
Como acordar uma manhã e saber uma língua nova: os sinais, vistos e revistos, tornam-se palavras. Blondine que, após uma noite de sono, sabe todo o conhecimento. Ou então: "Est-ce vous mon prince? Vous vous-êtes bien fait attendre!"...
E, no entanto, as crianças têm órgãos misteriosos, de presságio e correspondência. Aos seis anos, pode-se ler contos o dia inteiro, mas por que aquele retorno teimoso, hipnotizado, a certas imagens que um dia serão reconhecidas: emblemas recorrentes, verdadeiras empresas heráldicas de uma vida? Beleza e medo. O diálogo, sob o portão sombrio da cidade, entre a guardiã de gansos e a cabeça decepada do cavalo: "Adeus, Falada, que ali pendes! / Adeus, Rainha, que por aqui passas! / Se tua mãe soubesse, / De dor morreria..." História que pode continuar a surgir a cada esquina de uma vida, aberta a uma nova página, descerrada por uma nova chave.
Conto obscuro, nêspera dura,
a palha e o tempo te amadurem.
(Assim, na poesia, a figura precede a ideia a ser vertida nela. Por anos, ela pode seguir um poeta: fabulosa e doméstica, assustadora e familiar. Quase sempre uma imagem da primeira infância: o rótulo fascinante numa árvore velha do parque, o retorno, na vigília e no sonho, de uma figura de mulher que arruma frutas numa mesa. Inescrutável e suave, ela espera pacientemente que a revelação – que o destino – a preencha).
É de notar como, ao tocar o conto, um escritor invariavelmente dá o melhor de sua língua, torne-se escritor mesmo que nunca o tenha sido: como se, ao contato com símbolos ao mesmo tempo tão totais e particulares, tão excelsos e palpáveis, a palavra só pudesse destilar seu sabor mais puro. Assim, bastaria um fabulário clássico para que a uma criança fossem abertos tanto o atlas da vida quanto o da palavra.
Ou talvez só possa dominar plenamente esses símbolos quem tenha da própria língua um sentimento tão litúrgico quanto o rito da festa, tão familiar quanto o alimento de todo dia?
Nessa luz, o pão quotidiano de Lucas, que em Mateus soa como pão supersubstancial, deixaria de parecer uma obscuridade filológica para mostrar-se novamente uma ambiguidade natural. Como no rito, precisamente: onde o pão se torna supra-substância, torna-se a absoluta substância.
"O homem jogou alguns incensos sobre um braseiro, separou a fumaça com as duas mãos, e por aquela abertura os prisioneiros saíram para um jardim."
"A velhinha se aproximou dela, passou-lhe diante dos olhos a roca, movendo-a da esquerda para a direita no ar, e a moça viu um vale arborizado e uma clareira que lhe era conhecida, e deitado na grama, seu amado."
"Sonhei que dos subterrâneos subia uma palavra. Vinha de baixo, passou diante de mim: eu a vi e era espantosa."
"Quando vagava pelas montanhas, ele assumia habitualmente a aparência de um burro meio podre. Trojava sobre as patas dianteiras, a cabeça e o pescoço ainda cobertos de pele, arrastando atrás de si o esqueleto das demais partes."
Exemplos de pura criação, de transmutação das espécies por meio da palavra.
A quem vai, nos contos, a sorte maravilhosa? Àquele que, sem esperança, se entrega ao inesperável. Esperar e entregar-se são coisas tão diferentes quanto é diferente a expectativa da fortuna mundana da segunda virtude teologal. Quem repete cegamente, obstinadamente "esperemos" não se entrega: apenas espera, na verdade, por um golpe de sorte, pelo jogo momentaneamente favorável da lei da necessidade. Quem se entrega não conta com eventos particulares porque tem certeza de uma economia que abarca todos os eventos e supera seu significado como o tapete simbólico supera as flores e os animais que o compõem.
Vence no conto o louco que raciocina ao contrário, inverte as máscaras, discerne na trama o fio secreto, na melodia o inexplicável jogo de ecos; que se move com precisão extática no labirinto de fórmulas, números, antífonas, rituais comum aos evangelhos, ao conto, à poesia. Crê esse, como o santo, no caminhar sobre as águas, nas muralhas atravessadas por um espírito ardente. Crê, como o poeta, na palavra: cria, pois, com ela, dela extrai prodígios concretos. Et in Deo meo transgrediar murum.
A longa fidelidade do louco, de ascética e mística, torna-se no final apostólica. Ao término de sua descida aos Infernos, de sua subida ao Carmelo, espera-o a medida transbordante, o mundo por acréscimo. Não apenas o objeto de seu impossível amor, mas todos aqueles a que soube renunciar por ele. Não apenas sua vida que não quis salvar, mas as vidas de todos os que tiveram parte – boa ou má – na santa aventura. O bosque desencantado anima-se de figuras. Surgem pálidas, de seu banho de sangue, as esposas de Barba-Azul. Até os ternos, astutos bichinhos que serviram o herói como instintos sutis, readquirem graça, dignidades humanas... Terra nova, céus novos ao redor de um espírito transformado.

