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Cristina Campo – Conto de fada, imponderável

sábado 17 de maio de 2025

CCampo1987

Como os evangelhos, o conto de fada é uma agulha de ouro, suspensa por um norte oscilante, imponderável, sempre inclinado de modo diverso, como o mastro de um navio em mar revolto.

Oferece a cada momento a escolha – mas uma escolha velada por véus sempre diferentes – entre simplicidade e sabedoria, dureza e suavidade, memória e esquecimento salutar. Um vence porque, num país de crédulos e intrigantes, foi desconfiado e reservado; outro porque se entregou infantilmente ao primeiro que apareceu ou mesmo a um bando de malfeitores. Prudência, exorta o conto a cada linha, mas a princesa que cai no sono mágico de cem anos pode agradecer ao terror ciumento do rei, seu pai, e sabe-se que, fugindo de Bagdá, encontrará Samarcanda. Nenhuma Escritura oferece preceitos bons para sempre, ou negaria a vida. Enigma sempre novo e novamente proposto; nunca resolvido senão na hora decisiva, no gesto puro: totalmente desvinculado da indigente experiência, alimentado, dia após dia, de visão e silêncio.

Pesa sobre cada conto – pesa sobre cada vida – o enigma impenetrável e central: o destino, a eleição, a culpa. A aventura gloriosa pode cair sobre o inocente: o pastor manso, a jovem emparedada na torre. Uma força imperativa impele outros, os inquietos, a partidas sem espírito de retorno, ao despojamento de toda posse possível por aquele outro bem impossível. Imperscrutavelmente, impele alguns à infração: àquela culpa providencial que abre o caminho de Blondine rumo à vitória.

Grande número de contos tem aqui seu nó. Como nenhuma outra antes dela, a Comtesse de Ségur o desenhou em Blondine. Inextricável à primeira vista, é um daqueles terríveis falsos nós que só se desfazem sob a tração oposta das duas pontas. Assim fala Boa Corça, restituída às suas feições de fada madrinha graças à culpa e à redenção de Blondine; assim poderia falar a cada geração seguinte:

"Blondine, Blondine..., nós jamais deveríamos retomar nossas formas primevas se você não tivesse colhido a rosa, que eu sabia ser seu mau gênio e que mantinha cativa. Eu a havia posto o mais longe possível do meu palácio, para subtraí-la ao seu olhar... O céu me é testemunha que teríamos ficado de boa vontade a vida toda como Boa Corça e Belo Gatinho aos seus olhos, para poupá-la das cruéis dores pelas quais passou..."

No desastre do jardim bendito, cumpre-se uma economia de sofrimentos e libertações, de socorros e sufrágios. A Boa Corça e ao Belo Gatinho, espíritos constrangidos, é necessária, ainda que suavemente tentem evitá-la, a paixão redentora de um vivente para obter a libertação.

O oblíquo, o delicado conto é, por outro lado, obstinadamente horoscópico. Quase surgindo de um horizonte, entram uma após outra no batismo da princesa recém-nascida as fadas madrinhas. Sete planetas, doze constelações, benignos ou adversos conforme os méritos dos pais: a rainha fez os convites corretamente, lembrou-se da fada que verdadeiramente lhe era amiga, em preferência a outras mais poderosas?

Planetas faustos, constelações benéficas a princípio. Mas um Saturno maligno – a fada negligenciada, rancorosa – surgirá para obscurecer o céu em sua carruagem puxada por morcegos. De que valem os dotes requintados das outras se esta fixa um termo infausto: a princesa morrerá aos vinte anos?

De nada valem as súplicas, tudo parece perdido, quando uma última fada – um ser jovial que por acaso ainda não falou – intervém com seu pequeno voto. Não lhe será dado anular, mas atenuar o malefício, transformando sua natureza. A princesa não morrerá, ficará cem anos imersa no sono mágico, antes que seu destino se cumpra. O atraso, pois, em vez da desventura, presidirá à vida da princesa.

Assim, a relação entre as culpas dos pais e a sorte dos filhos, o tempo imponderável necessário a uma vocação.

Horoscópica é também a cena da dança circular, o que Madame d’Aulnoy, com termo popular e arcano, chama le branle des fées. É a festa das jovens fadas no equinócio da primavera ou, ao contrário, o Conselho Secular que se reúne a cada cem anos na clareira de Brocelianda. Um renovar do destino com a natureza ou uma espécie de conjunção astral espetacular.

Heróis de contos, nascidos deformados ou minúsculos, são lançados pela mãe, decidida a ousar o inaudito, ao centro da dança circular, no coração de seu próprio destino. Após um momento de perplexidade ameaçadora, a criança é geralmente acolhida pelas fadas. Nem mesmo sua deformidade será removida, apenas elevada a potência. Ao homenzinho será dado penetrar lugares impenetráveis, ao sem-braços descobrir tesouros, veios auríferos, todo o mundo inferior espelho do céu.

A desventura dedicada, oferecida às potências, torna-se para o desventurado e para o mundo uma chave.

Nunca, certamente, como no conto, as duas direções em que a vida se busca – rumo às suas raízes mais sombrias e rumo ao céu – pareceram tão requintada e escandalosamente complementares.

E, no entanto, o aristocrático conto (o que significa príncipe, princesa senão a alma sobre a qual caiu uma escolha?) não desce a composições de contrários, androginias junguianas. Nada, excetuando as Escrituras, mais radicalmente não-sentimental que um conto. Nos rostos dos dois gêmeos, o sublime e o abjeto, os dois reinos da sombra e da luz pareceriam densamente misturados. Mas é sempre o contemplativo, o fiel, quem resgata o outro: com suas lágrimas que devolvem a vista, seu sangue que faz florir os espinhos, reanima as estátuas, recompõe os corpos mutilados. A substituição mística, tão comum outrora nas Trapas e nos Carmelos, é sempre, também nos contos, a premissa inelutável do prodígio.