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Gilvan Fogel – queda e travessia (Guimarães Rosa)
sábado 5 de julho de 2025
“Não me envergonho, por ser de escuro nascimento”, diz o Riobaldo, em Grande Sertão: Veredas, expiando a sua “culpa”, isto é, explicitando o sentido vital-existencial de “queda”, da irrupção súbita na vida, na existência. “Órfão de conhecença e de papéis legais, é o que a gente vê mais, nestes sertões”. Inocência na queda, na culpa. Fazer vida, viver vida. E mais, cumprindo a dor, “expiando” o sagrado: “Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. Travessia e só travessia. No “meio”, isto é, no medium, no elemento: a dor, a “culpa” (indigência, débito), a queda — este o medium, o elemento. O limite, a finitude. A im-perfeição por-fazer, que dá a perfeição do limite, como perfeição (perfazimento) do fazer necessário — necessário e inútil, pois nada há a redimir fora ou além desta ação, deste trabalho. A liberdade. Não há culpa. A vida finita, a existência pouca é prodigiosa inocência, farta gratuidade. “Mas liberdade — aposto — ainda é só alegria de um pobre caminhozinho, no dentro do ferro de grandes prisões. Tem uma verdade que se carece de aprender, do encoberto, e que ninguém não ensina: o beco para a liberdade se fazer. Sou um homem ignorante. Mas, me diga o senhor: a vida não é coisa terrível? Lengalenga. Fomos. Fomos.” [1]
FOGEL, Gilvan. Do coração máquina: a técnica moderna como compaixão do homem pelo homem. Rio de Janeiro: Mauad X, 2022.
[1] Cf. Rosa, João Guimarães, Grande Sertão: Veredas, José Olympio Editora, Rio, 1968, p. 233.