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Dauge (Virgile) – etapas históricas de corrupção das elites
domingo 29 de junho de 2025
A literatura antiga nos propõe vários exemplos característicos deste processo de corrupção das elites, que chamou ainda mais a sua atenção por tocar no princípio de hierarquia próprio às sociedades de tipo tradicional.
Citemos em primeiro lugar este esquema “mito-histórico” que se chama o ciclo das quatro idades e que corresponde precisamente ao fenômeno de involução que nos ocupa. Tudo se passa como se a instauração de um novo ciclo (idade de ouro) coincidisse com o aparecimento de uma nova autoridade divina (cf. Saturno), ou melhor, de uma nova raça teândrica (cf. 4ª Bucólica: noua progenies, gens aurea) capaz de fazer reinar a paz na aliança com os deuses. Depois, pouco a pouco, à medida que a elite original se enfraquece e declina, ou diminui, a sociedade humana é cada vez mais atraída pelos elementos inferiores do ser. O movimento vai se acelerando, e o ciclo “desce” assim até a idade do ferro, a da subversão total e da negatividade, onde o que ainda pode restar da antiga elite é seja oprimido, seja forçado a se exilar. Eis, aliás, um quadro que relaciona este ciclo involutivo com o processo de degenerescência das elites:
1. OURO. Dominante: Sol.
Contato direto, pessoal e estendido com a Fonte divina (cf. 4ª Bucólica: Assyrium uolgo na — etur amomum).
Elite de reis teândricos. Reino de Saturno.
Dii. Divinitas.
2. PRATA. Dominante: Lua.
Contato mediado e restrito com a Fonte divina.
Elite de sacerdotes. Reino de Juno.
Templa. Humanitas.
3. BRONZE. Dominante: Marte.
Contato obscurecido e rarefeito com a Fonte divina.
Elite de chefes, de guerreiros. Reino de Marte.
Virtus. Ferocia/feritas.
4. FERRO. Dominante: Plutão.
Perda de contato com a Fonte divina (exceto por um “pequeno resto”).
“Elite” de possuidores. Reino de Fortuna.
Opes. Feritas/vanitas.
Quatro versos da Eneida Eneida (VIII, 324-7) o resumem:
Aurea quae perhibent, illo sub rege (Saturne) fuere saecula: sic placida populos in pace regebat (OURO), deterior donec paulatim ac decolor aetas (PRATA; deterior et decolor marcam a involução) et belli rabies (BRONZE) et amor successit habendi (FERRO).
Outro exemplo bem conhecido dos Romanos: a decadência dos reis da Atlântida evocada por Platão em seu Crítias (120e a 121c). “Durante muitas gerações, e enquanto dominou neles a natureza do Deus”, os sacerdotes-reis oriundos de Poseidon reinaram sabiamente “e permaneceram apegados ao princípio divino ao qual eram aparentados” (120e). Domínio de si, lucidez, grandeza de alma, desapego, bondade, concórdia: qualidades de uma elite verdadeiramente real e divina. Enquanto se beneficiaram da “presença persistente do princípio divino neles” (121a), eles se mantiveram acima de todas as tentações, unindo o poder à sabedoria. “Mas, quando a parte do Deus veio a diminuir neles, pelo efeito do cruzamento repetido com muitos elementos mortais, quando dominou o caráter humano” (ib.), eles se deixaram progressivamente levar à imoralidade, à avidez, à injustiça, e esta degradação de sua natureza acabou por atrair sobre eles o castigo do alto. A notar que Platão atribui a erosão do princípio divino, nesta elite, ao influxo crescente de elementos humanos, a uma espécie de “mestiçagem” fracassada, de “encarnação” falhada: na verdade, não se trata de defender uma qualquer segregação da elite, mas de insistir nas dificuldades de viver ao mesmo tempo acima e dentro do mundo, evitando estes dois excessos opostos, o isolamento e a dissolução.
Em nosso contexto virgiliano, há sobretudo o tema da decadência da elite troiana (à parte, naturalmente, um “pequeno resto”), tema que se desenvolve no início do poema como uma explicação da transferência da herança para uma Troia melior (cf. VIII, 36 sq.) e como um solene aviso a Roma. O II livro da Eneida Eneida sugere que antes de sua destruição pelo fogo Troia já estava morta espiritualmente, e que sua desaparição material foi a consequência lógica deste suicídio moral. A falta essencial de sua elite é ter feito mau uso das energias divinas que lhes foram oferecidas — falta que arruinou também a Atlântida ou o Egito. Orgulho, desmedida, desprezo dos deuses (cf. V, 811), desvio de poderes iniciáticos, materialismo, paixão pelo ouro bárbaro (II, 504; 763 sq.), cegueira (II, 54: mens laeua; 244: immemores caecique furore), selaram então o destino da cidade construída pelos deuses. O fim atroz de Laocoonte e de seus filhos, sinal precursor da noite fatal, traduz por assim dizer a autodestruição desta elite troiana. Pois ela perdeu o conhecimento (Apolo), a imaginação criadora e mágica (Pallas), o domínio sobre as forças cósmicas (Netuno), o benefício da simpatia universal e do amor (Vênus, substituída por Helena), a soberania radiante (Júpiter). E os Gregos, descendência por outro lado demoníaca, são neste caso apenas os simples instrumentos da Rigidez divina, a forma tomada atualmente pelo karma?


Yves Albert Dauge. Virgile. Maître de Sagesse. Essai d’ésotérisme comparé. Milano: Archè, 1983