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Cristina Campo – Rosa
sábado 17 de maio de 2025
CCampo1987
Acusar os fabulistas franceses de frivolidade por enfeitarem suas fadas com plumas de avestruz significa "ter visão, mas não percepção". Era justamente essa percepção que uma Madame d’Aulnoy possuía, captando nas vozes do povo os mistérios mais delicados, quase sem se dar conta, como em um sonho, tal como se colhe um trevo-de-quatro-folhas num campo. (Não assim os irmãos Grimm, que, explorando metodicamente folclore folha por folha, encontraram muitos também, mas no meio de uma colheita sufocante de ervas sem magia).
Madame d’Aulnoy compôs contos de fada sublimes, como O Ramo de Ouro ou O Gato Branco, por exemplo, dos quais parece impossível tocar o fundo ou o ápice. Mas bastaria o conto mais familiar de Perrault (ou de seu misterioso filho, logo desaparecido), refiro-me ao seu mais lido: Cinderela. Deixando de lado, por ora, os símbolos já tão tristemente desflorados das irmãs más e do sapatinho de vidro (mas o verdadeiro sapatinho, requintadamente, era de pele de esquilo), quantas revelações em Cinderela! Lampejos que só a tais narradores, suavemente distraídos como todos os videntes, poderiam ocorrer de captar.
Eis o prelúdio da grande crise, o baile na corte:
"Quando assim enfeitada, ela subiu na carruagem; mas a madrinha lhe recomendou, acima de tudo, que não passasse da meia-noite, avisando-a que, se ficasse mais tempo no baile, sua carruagem voltaria a ser abóbora, seus cavalos, ratos, os lacaios, lagartos, e suas belas vestes retomariam a forma antiga."
O mistério do tempo e a lei do milagre estão indicados nessas poucas palavras com extrema leveza e, no entanto, com que firmeza. A que pode levar a infração de um limite senão ao regresso trágico no tempo, ao despertar, de manhã, sobre as cinzas frias? Cinderela roça, na terceira e mais gloriosa noite de baile, esse precipício: e para evitá-lo, fugindo desesperada, não se importa de perder seu sapatinho de pele de esquilo, de renunciar a um fragmento do presente gratuito e extático com que um poder a revestiu. Mas eis: será justamente esse fio, o sapatinho de pele de esquilo, que a reconduzirá ao príncipe. Sua perda voluntária se tornará seu ganho.
"Quem perder a vida a salvará." Madame Le Prince de Beaumont, em A Bela e a Fera, conduz o mesmo tema a zonas ainda mais delicadas e ocultas. Como todo conto de fada perfeito, também este nos faz participar da amorosa reeducação de uma alma — de uma atenção — para que da visão se eleve à percepção. Perceber é reconhecer o que só tem valor, o que só verdadeiramente existe. E o que mais verdadeiramente existe neste mundo senão o que não é deste mundo? A amizade da Fera por Belinda é uma longa, terna e cruelíssima luta contra o terror, a superstição, o julgamento segundo a carne, as vãs saudades. Não diferente da demora de Cinderela no baile é o retorno para casa de Belinda, que por pouco não custa a vida da Fera. É, para uma e outra jovem, o risco de uma recaída no círculo mágico do passado, que pode devastar, como uma geada fora de época, o que há tanto esperava para desabrochar: o presente. É a ordália de Belinda, mas Belinda não o sabe. Pois, essencialmente, é a ordália da Fera.
Quando é que a Fera se transforma em Príncipe? Quando o prodígio se tornou supérfluo, quando a metamorfose já se completou insensivelmente em Belinda: lavando-a de todo lamento adolescente, de toda ferrugem da fantasia, não deixando dela senão a alma nua e atenta ("não me parece mais uma Fera, e mesmo que fosse, casaria com ela do mesmo jeito, porque é perfeitamente boa e eu não poderia amar senão a ela").
A metamorfose da Fera é, na verdade, a de Belinda, e é apenas razoável que, nesse ponto, a Fera também se torne Príncipe. Razoável porque não mais necessária. Agora que não são mais dois olhos de carne que veem, a graça do Príncipe é mero supérfluo, é a alegria transbordante prometida a quem buscou primeiro o reino dos céus. "A quem tem será dado", assegura o versículo que tanto intriga os fiéis da letra.
Para conduzir Belinda a tal triunfo, a Fera roçou a morte e o desespero, trabalhou com a teimosia da perfeita loucura noite após noite, aparecendo à jovem reclusa, resignada e intrépida na hora cerimonial: a hora do jantar, da música. Encerrado na égide do horror e do ridículo ("além de feio, infelizmente sou também estúpido"), arriscou o ódio e a execração daquela que lhe era cara: desceu aos Infernos e a fez descer.
Não menos — e não menos loucamente — faz Deus por nós: noite após noite, dia após dia. Não convém esquecer, porém, que foi Belinda quem suscitou seu Príncipe, de longe e sem saber. Foi quando pediu ao pai, que enfiava o pé no estribo, em vez de uma joia ou um vestido esplêndido, aquele seu presente insensato: "uma rosa, só uma rosa", em pleno inverno.

