Atavismo. Que bela palavra! Bem construída, musical, fácil de pronunciar, agradável aos ouvidos, estranha sem ser bizarra, científica sem parecer pedante. Devemos-lha ao botânico holandês Hugo De Vries (1848-1935) que descobriu e estudou as mutações. Forma-se a partir do radical latino atavi (tetravós), o que na verdade é apenas uma sinédoque, pois evoca uma multidão de outros ancestrais. Seu significado não parece ser apreciado em seu justo valor, que é considerável. Para os criadores, como (…)
Excertos de obras literárias, cênicas e gráficas, além de crítica literária, com foco no imaginal mitográfico, lendário e fantástico.
Matérias mais recentes
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Tournier (Célébrations) – Atavismo
28 de junho, por Murilo Cardoso de Castro -
Tournier (Célébrations) – Filosofia do sono
28 de junho, por Murilo Cardoso de CastroFilho da noite e do sono, o pequeno deus dos sonhos chama-se Morfeu. Representam-no com asas de borboleta e um ramo de papoulas na mão. Tem uma filha natural chamada Morfina, capaz do melhor e do pior. É preciso que nos interessemos por ele, já que reina sobre um terço de nossa vida.
Em 1962, o professor Michel Jouvet realizou trabalhos inovadores com suas pesquisas sobre o "sono paradoxal" e os estados de vigília. O sono paradoxal corresponde aos períodos de sonho. O "paradoxo" consiste (…) -
Tournier (Célébrations) – Deciframento da serpente
28 de junho, por Murilo Cardoso de CastroO deserto é seu reino, como a aridez é seu clima. Para lá ele conduziu Adão e Eva depois de os fazer perder o Paraíso. Falava-lhes nos ramos da árvore do Bem e do Mal, como Deus falaria mais tarde a Moisés do centro de uma sarça ardente. De que lhes falava ele? Como Deus a Moisés, do bem e do mal. Mas chamando bem ao mal e mal ao bem.
Pois a inversão maligna define seu modo de agir habitual. Assim como o amor. Há dois tipos de serpentes, as venenosas e as constritoras. As venenosas matam (…) -
Tournier (Célébrations) – Prefácio
28 de junho, por Murilo Cardoso de CastroAtravés de sua aparente disparidade, esses oitenta e cinco textículos têm em comum uma certa visão de mundo. É aquela que Théophile Gautier reivindicava quando declarava: "Sou um homem para quem o mundo exterior existe." Notemos que o autor de Émaux et Camées inaugura uma família de poetas decididamente extrovertidos, primários, solares, espetaculares, que se chamam Leconte de Lisle, Heredia, Mallarmé, Valéry, Saint-John Perse. Aqui o espaço prevalece sobre o tempo. O olho comanda sozinho. (…)
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Guimarães Rosa (GSV) – Paciência de velho tem muito valor
28 de junho, por Murilo Cardoso de CastroMas, no vir de cimas desse morro, do Tebá — quero dizer: Morro dos Ofícios — redescendo, demos com o velho, na porta da choupã dele mesmo. Homem no sistema de quase-dôido, que falava no tempo do Bom Imperador. Baiano, barba de piassaba; goiano-baiano. O pobre, que não tinha as três espigas de milho em seu paiol. Meio sarará. A barba, de capinzal sujo; e os cabelos dele eram uma ventania. Perguntei uma coisa, que ele não caprichou de entender, e o catrumano Teofrásio, que já queria se mostrar (…)
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Varela – O mundo rosiano
27 de junho, por Murilo Cardoso de CastroO mundo rosiano é, de fato, um mundo de como se, de faz de conta, o regresso pensado à desordem ordenadora do mito e da natureza, na sua lógica sensível, na sua linguagem carnal, na sua hybris caudalosa e espontânea. Homem do sertão , como ele próprio se deixa denominar, Guimarães Rosa descobre-se, selvagem, eterna criança, enunciando a verdade possível, a não verdade de uma Verdade inominável, no eterno retorno do mythos. Fiel às formas simples de que fala Jolles , na escrita deste autor, o (…)
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Varela – obras do heterologos rosiano
27 de junho, por Murilo Cardoso de Castro[...] seja Grande sertão: veredas, seja Tutaméia, culminando no conto A terceira margem do rio de Primeiras estórias, sobremaneira expressivo do pensamento de Guimarães Rosa e do heterologos em geral. Enquanto Grande sertão nos sugere a imensidão da terra brasileira, o sertão-macrocosmos, “lugar de latifúndios e epopéias”, como diz Gilberto Mendonça Teles, Tutaméia é “uma espécie de ‘grande sertão’ fracionado em pequenas narrativas”, o microcosmos onde decorre o infinitamente pequeno dos (…)
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Flusser – Guimarães Rosa
27 de junho, por Murilo Cardoso de CastroNa introdução a este livro sugerimos a identidade entre tempo e diabo. É ele o próprio princípio da modificação, do progresso, da fenomenalização portanto. É o princípio da transformação de realidade em irrealidade. É o que Guimarães Rosa tem em mente ao dizer que o diabo não existe. A correnteza do tempo dentro da qual o Senhor mergulha pedaços do ser ao criar “céus e terra” é o próprio diabo. O tempo é incrível, não se pode crer nele. Kafka diz que não se pode ter fé no diabo, porque mais (…)
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Jonathan Swift – advogados
27 de junho, por Murilo Cardoso de CastroDisse: "Havia entre nós uma sociedade de homens, criados desde a juventude na arte de provar, por meio de palavras multiplicadas para o fim, que branco é preto, e preto é branco, conforme são pagos. A essa sociedade todos os demais são escravos. Por exemplo, se meu vizinho cobiça minha vaca, contrata um advogado para provar que deve tirar minha vaca de mim. Devo então contratar outro para defender meu direito, sendo contra todas as regras da lei que alguém possa falar por si mesmo. Agora, (…)
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Jonathan Swift – mentir
27 de junho, por Murilo Cardoso de CastroMeu mestre me ouviu com grande aparência de inquietação no semblante; pois duvidar ou não acreditar são coisas tão pouco conhecidas neste país, que os habitantes não sabem como se comportar em tais circunstâncias. E lembro-me de que, em frequentes diálogos com meu mestre sobre a natureza da humanidade em outras partes do mundo, tendo ocasião de falar sobre mentiras e falsas representações, foi com grande dificuldade que ele compreendeu o que eu queria dizer, embora tivesse, de outro modo, um (…)