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Marie-Louise von Franz – Contos de Fadas

quinta-feira 26 de junho de 2025

Antes de tentar explicar a forma junguiana específica de interpretação, vou entrar rapidamente na história da ciência dos contos de fada e nas teorias das diferentes escolas e sua literatura. Pelos escritos de Platão sabemos que as mulheres mais velhas contavam às suas crianças histórias simbólicas — “mythoi”. Desde então, os contos de fada estão vinculados à educação de crianças. Na antiguidade, Apuleio, um escritor e filósofo do século 2 d.C., escreveu sua famosa novela O asno de ouro, um conto de fada chamado Amor e Psyche, uma história do tipo A bela e a fera. Este conto de fada tem o mesmo padrão daqueles que se podem ainda encontrar, hoje em dia, na Noruega, Suécia, Rússia e muitos outros países. Consequentemente, pode-se ao menos concluir que este tipo de conto de fada [da mulher que redime seu amado da forma animal] existe praticamente inalterado há 2.000 anos. Mas temos uma informação ainda mais antiga, porque os contos de fada também foram encontrados nas colunas e papiros egípcios, sendo um dos mais famosos o dos dois irmãos, Anúbis e Bata. Ele se desenvolve de modo paralelo a todos os contos sobre “dois irmãos” que se pode coletar nos países europeus. Nossa tradição escrita data aproximadamente de 3.000 anos e o que é mais interessante, os temas básicos não mudaram muito. Ainda mais, de acordo com a teoria do padre W. Schimidt: “Der Ursprung Der Gottesidee”, existem indícios de que alguns temas principais de contos se reportam a 25.000 anos a.C, mantendo-se praticamente inalterados.

Até os séculos 17 e 18, os contos de fada eram — e ainda são nos centros de civilização primitivos e remotos — contados tanto para adultos quanto para crianças. Na Europa, eles costumavam ser a forma principal de entretenimento para as populações agrícolas na época do inverno. Contar contos de fada tornou-se uma espécie de ocupação espiritual essencial. Chegou-se mesmo a dizer que os contos de fada representavam a filosofia da roda de fiar [Rocken Philosophie].

O interesse científico por eles começou no século 18, com Winckelmann, Haman e J. G. Herder. Outros, como K. Ph. Moritz, deram aos contos de fada uma interpretação poética. Herder dizia que tais contos continham as remanescências de uma velha crença há muito enterrada, expressas nos símbolos. Neste pensamento pode-se notar um impulso emocional — o neopaganismo que começou a se movimentar na Alemanha na época da filosofia de Herder e que floresceu de uma maneira muito desagradável há pouco tempo atrás. A insatisfação com os ensinamentos cristãos e a aspiração por uma sabedoria mais vital, terrena e instintiva, começou nessa época; mais tarde podemos perceber isso mais explicitamente na escola romântica alemã.

Foi esta busca religiosa por alguma coisa que parecia estar faltando nos ensinamentos cristãos oficiais, que primeiro induziu os famosos irmãos Jakob e Wilhelm Grimm a colecionar contos folclóricos. Antes disso, os contos de fada haviam sofrido o mesmo destino do próprio inconsciente, ou seja, eram simplesmente aceitos. As pessoas aceitam o inconsciente e vivem nele, mas não querem admitir sua existência. Elas usam-no, por exemplo, em mágicas e talismãs. Se têm um sonho bom, elas o exploram, mas não o levam tão a sério. Para tais pessoas, um conto de fada ou um sonho não necessita ser analisado apuradamente, podendo ser distorcido; visto não ser material “científico” pode-se perfeitamente torcê-lo um pouco, tendo-se assim o direito de selecionar aquilo que mais convém e descartar o resto.

Essa atitude desonesta, não científica, estranha e desconfiada prevaleceu por muito tempo em relação aos contos de fada. Então, sempre digo aos estudantes para buscarem o original. Pode-se obter, ainda, edições dos contos de Grimm nas quais algumas cenas são omitidas e outras, de outros contos, são enxertadas. O editor ou tradutor é muitas vezes impertinente o bastante para distorcer a história sem sequer fazer uma nota de rodapé. Eles não ousariam fazer isso com o épico Gilgamesh ou um texto dessa espécie, mas contos de fada parecem ser um campo aberto de modo que alguns se sentem livres para tomar qualquer liberdade.